Conselho de Política Energética do governo se reúne hoje para decidir o futuro da usina de Angra 3

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) se reúne nesta terça-feira para decidir o futuro de Angra 3, a terceira usina nuclear do país, em construção há 40 anos no complexo localizado à beira-mar no litoral sul do Rio. O órgão capitaneado pela pasta e que conta com representantes de diversos ministérios.

O ministro Alexandre Silveira já se declarou favorável à continuidade do empreendimento. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entregou no início do mês à Eletronuclear os estudos referentes à estruturação do modelo técnico, jurídico e financeiro da retomada do projeto.

O BNDES foi contratado pela Eletronuclear em 2019 para realizar o trabalho, que contou com a participação de mais de 50 consultores de nove empresas e teve sua primeira entrega realizada em novembro de 2022, quando os estudos foram submetidos à análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Após intenso processo de discussões junto à unidade técnica do Tribunal para promover aprimoramentos da modelagem, o TCU concluiu sua análise em abril de 2024.

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No processo, o BNDES realizou estudo de impacto socioambiental e diligência técnico-operacional (engenharia) para atestar que os equipamentos têm condições de operar, tendo em vista a paralisação das obras da usina.

Especialistas

Para especialistas, a retomada do projeto —que exigirá um aporte de mais R$ 30 bilhões aproximadamente— é oportuna, porque a energia nuclear é uma fonte de baixa emissão de gases do efeito estufa (GEEs). Outro argumento em prol da construção é o fato de se tratar de uma fonte firme de energia, no momento em que as fontes intermitentes (eólica e solar) ganham espaço na matriz elétrica.

O ministro Silveira tem sido um defensor da conclusão da usina, destacando que ela terá um papel relevante na transição energética brasileira.

Para Aquilino Senra, professor da Coppe, o instituto de pós-graduação em engenharia da UFRJ, seria “descabido” não concluir as obras de Angra 3. Do ponto de vista econômico-financeiro, a conclusão recuperaria parte dos investimentos e, do ponto de vista da política energética, é uma fonte permanente.

— Não fazer é jogar dinheiro pela janela, é irrecuperável. Em fazendo, se recupera boa parte — afirmou Senra, que foi presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). — O Brasil está entrando num programa de transição energética, que troca fontes que emitem gases, como carvão e gás natural, por fontes renováveis, e aquelas que não emitem. No caso, a nuclear não emite (GEEs).

Impacto no setor

De acordo com Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), além de não emitir GEEs, a fonte nuclear ainda permite preservar os reservatórios das hidrelétricas, num contexto de menos chuvas por causa das mudanças climáticas.

O abandono de Angra 3 também poderia inviabilizar a Eletronuclear, prejudicando toda a cadeia do setor no país, como a fabricação de medicamentos que usam radioatividade, os radiofármacos.

— Tecnicamente, o projeto está mais do que defendido. A discussão é política — disse Cunha.

Para tirar o projeto do papel, será preciso aprovar novas diretrizes para o preço da eletricidade gerada por Angra 3, um dos objetos de decisão do CNPE — a tarifa é cobrada das transmissoras e distribuidoras que levam a produção da usina para o sistema elétrico nacional.

Uma resolução de 2021 do CNPE, ainda do governo Jair Bolsonaro, estabeleceu que a nova tarifa deveria ser definida com base num estudo de viabilidade econômico-financeira a cargo do BNDES, que desde 2019 trabalha no tema.

O estudo do banco, entregue no início de setembro, estimou uma tarifa de R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh). Segundo a Eletronuclear, o preço está condizente com a geração térmica no país. Com base nesse valor, o BNDES estimou que o projeto ficaria viável para a finalização das obras.

O investimento em obras foi calculado em R$ 23 bilhões, mas chega a R$ 30 bilhões para incluir a reestruturação de dívidas e correções monetárias. O endividamento total da Eletronuclear era de R$ 6,8 bilhões no fim de 2023, segundo o balanço financeiro da estatal.

— O estudo do BNDES fala de uma captação de quase R$ 30 bilhões, porque é com juros e correção monetária —afirmou Raul Lycurgo, presidente da Eletronuclear, estatal que opera as usinas nucleares.

A empresa espera a decisão do CNPE no próximo mês, para retomar as obras até a virada de 2025 para 2026. Os próximos passos seriam a elaboração do edital e a licitação internacional para contratar construtoras especializadas. A usina ficaria pronta na virada de 2030 para 2031.

Angra 3 começou a ser construída na década de 1980. O projeto teve atrasos sucessivos, com crises econômicas e escândalos de corrupção, como os revelados pela Lava-Jato.

Os sucessivos atrasos provocaram situações inusitadas, como a manutenção de maquinário comprado na década de 1980. Para evitar a deterioração, os equipamentos são embalados a vácuo, passando por um processo periódico de lubrificação — segundo a Eletronuclear, parado, o canteiro de obras de Angra 3 custa em torno de R$ 1 bilhão por ano.

O estudo do BNDES também calculou em R$ 21 bilhões as perdas caso o governo desista do projeto. O cálculo inclui o que foi gasto em obras após 2010 (R$ 12 bilhões) e a quitação das dívidas — BNDES e Caixa são os principais credores — além de multas de contratos vigentes com fornecedores. Até agora, 67% da usina já foi construída, em termos de progresso físico.

Dos R$ 21 bilhões, R$ 14 bilhões teriam que ser desembolsados no curto prazo, disse Lycurgo. Por isso, a Eletronuclear tem pressa na decisão do CNPE. Segundo Lycurgo, a estatal não tem caixa para fazer frente aos custos de desistência, e teria que ser socorrida pelo Tesouro para abandonar o projeto.

Por outro lado, a maior parte dos cerca de R$ 30 bilhões para a finalização viria de financiamento privado. Menos de 10% viriam dos sócios da Eletronuclear (União e Eletrobras, privatizada em 2022). Para os cofres públicos, a conta ficaria em R$ 1,6 bilhão, segundo Lycurgo.

Tarifa elevada

Críticos do projeto chamam a atenção para o fato de que, na solução apresentada, ainda que diluído num prazo longuíssimo, o custo será pago por todos os consumidores, na conta de luz.

Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria, acha que seria mais transparente o Tesouro arcar com os custos para cobrir as perdas e privatizar a Eletronuclear. Essa hipótese, porém, exigiria uma emenda à Constituição, que atualmente veda a participação privada na geração nuclear.

Para Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a tarifa ficaria alta demais:

— A usina contribuirá muito pouco e custará muito caro. Só os custos adicionais seriam muito maiores do que se a energia equivalente fosse comprada de eólica ou solar.

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