Saque-aniversário do FGTS: qual o calendário e quem tem direito aos novos valores liberados

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou duas medidas com impacto direto no bolso dos trabalhadores, em um momento em que o presidente tenta reverter sua queda de popularidade.

A primeira delas já entrou em vigor e poderá injetar R$ 12 bilhões na economia ao destravar o acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de pessoas demitidas desde 2020 que haviam aderido ao saque-aniversário — modalidade que permite sacar anualmente parte do fundo, mas que bloqueia o acesso ao dinheiro no momento da demissão por dois anos.

Uma medida provisória para liberar esses recursos foi publicada na sexta-feira (28/2), liberando o acesso para 12,1 milhões de brasileiros, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.

A segunda ação já anunciada pelo governo será a ampliação do crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada — um tipo de empréstimo a juros menores.

Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a medida provisória com essa novidade sairá depois do Carnaval.

As duas iniciativas são vistas como forma de colocar mais dinheiro na mão dos trabalhadores e movimentar a economia, embora economistas apontem também riscos potenciais de aumento da inflação e endividamento das famílias.

Para o professor de finanças Rafael Schiozer, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), a ampliação do crédito consignado será especialmente positiva se levar à troca de dívidas mais caras por financiamentos mais barato, ajudando as famílias a reduzirem seu endividamento.

Por outro lado, afirma Schiozer, se a facilitação ao acesso ao consignado acabar seduzindo o trabalhador a se endividar mais para consumir no curto prazo, o impacto pode ser negativo ao comprometer sua renda mensal no futuro.

Ele também vê possível impacto na inflação com o aquecimento do consumo, o que pode dificultar o trabalho do Banco Central de conter a alta dos preços por meio do aumento da taxa de juros.

Ainda assim, Schiozer não considera que isso deveria barrar as mudanças.

“O governo não deveria deixar de avançar em reformas microeconômicas positivas [como opções de crédito mais baratas] porque estamos em um momento macroeconômico difícil”, afirma.

A economista Gabriela Chaves, fundadora da plataforma de educação financeira NoFront, considera “natural” que o trabalhador tenha acesso ao FGTS em momentos de perda de poder de compra, com a disparada de preços de alimentos.

Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio realizada em dezembro, quase 77% das famílias brasileiras têm alguma dívida.

“Existe uma tendência de aumento do endividamento que me preocupa. O crédito é uma solução de curto prazo para um problema bastante complexo”, alerta.

“Enquanto as pessoas não tiverem aumento do poder de compra, elas vão precisar recorrer ao crédito para questões básicas como o supermercado e alimentação. O governo precisa pensar em políticas de aumento do poder de compra.”

Segundo especialistas em inflação de alimentos, as soluções para conter a alta dos preços são de médio e longo prazo, como melhorar a infraestrutura de escoamento e armazenagem da produção agrícola do país e dar mais capacitação a produtores menores.

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Liberação ‘extraordinária’ do FGTS

O governo Lula diz que a liberação do FGTS vai beneficiar 12,1 milhões de trabalhadores que foram demitidos a partir de 2020 e não tiveram acesso ao fundo porque aderiram à modalidade de saque aniversário.

Essa possibilidade de saque parcial na data de nascimento do trabalhador foi criada no governo de Jair Bolsonaro (PL) — ela permite tanto o saque anual como antecipar valores futuros em operações de crédito cujas parcelas são, depois, descontadas do FGTS.

Por outro lado, o uso dessa modalidade trava o acesso ao FGTS em caso de demissão por dois anos. O trabalhador, nesse caso, só recebe a multa rescisória paga pela empresa quando há desligamento sem justa causa.

A novidade, porém, só valerá para quem tiver sido demitido até a publicação da medida provisória com as novas regras, na sexta-feira (28/2).

Segundo disse o ministro Luiz Marinho ao jornal O Globo, trata-se de uma medida extraordinária.

A decisão de não tornar a mudança permanente reflete a oposição do setor de construção, já que o FGTS é usado para financiamento imobiliário — ou seja, com mais saques, há menos recurso para financiar a construção de novos empreendimentos.

Entidades como a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) criticam a possibilidade de saque aniversário e gostariam que ela fosse extinta, mas isso é visto como uma medida impopular.

Já as centrais sindicais criticam o bloqueio ao FGTS na demissão, justamente quando o trabalhador está com mais dificuldades financeiras.

Com a publicação da MP, os valores serão liberados em até duas parcelas.

O primeiro pagamento, de até R$ 3 mil por trabalhador, começa a ser feito em 6 de março para os que têm conta bancária previamente cadastrada para recebimento de recursos do FGTS.

Já quem não tem conta cadastrada poderá sacar nos pontos de atendimento. Os nascidos de janeiro a abril terão acesso também no dia 6 de março; os nascidos de maio a agosto podem sacar no dia seguinte; e os demais terão acesso no dia 10 de março.

Os trabalhadores com saldo superior a R$ 3 mil receberão o restante em junho. Os que já têm conta recebem no dia 17.

Os demais podem sacar de acordo com o mês de nascimento: 17 de junho para nascidos entre janeiro e abril; 18 de junho para nascidos entre maio e agosto; e dia 19 para o restante.

Depois, essa MP precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para ter validade definitiva. Mas, durante a tramitação, os parlamentares podem realizar modificações, aprovando regras diferentes da proposta original do governo.

Por enquanto, a medida provisória prevê que o trabalhador que acessar o saldo retido não terá de sair da modalidade de saque aniversário. Mas, desde 1º de março, aqueles que forem demitidos terão seus saldos bloqueados novamente, podendo sacar apenas a multa rescisória.

Para Schiozer, não faz sentido travar o saque do trabalhador no momento da demissão em caso de uso no saque aniversário.

Ele nota que há certa controvérsia sobre a validade do FGTS, já que é uma espécie de poupança forçada do empregado formal.

Por outro lado, ressalta o especialista, estudos internacionais sobre mecanismos similares ao FGTS indicam que há impactos positivos nos momentos de maior vulnerabilidade do trabalhador.

“Não acho contraditório ter as duas opções: que o trabalhador possa sacar parte dessa poupança forçada anualmente e que tenha acesso à [maior parte dessa] poupança quando realmente tem necessidade, que é a razão de ser do FGTS”, avalia Schiozer.

O que deve mudar no consignado para CLT

Haddad diz que ampliação do consigando para trabalhadores CLT será uma ‘revolução’

Outra mudança envolve o crédito consignado, que oferece taxas de juros menores porque representa menos risco para os bancos, já que as parcelas são descontadas direto do salário do devedor.

Atualmente, a modalidade é usada amplamente por servidores públicos e aposentados do INSS.

Já no caso dos trabalhadores formais (CLT), o funcionamento hoje é mais burocrático e acaba dependendo de convênios entre empresas e bancos para facilitá-lo.

A ideia do governo é criar novas regras e mecanismos que permitam que todo trabalhador com carteira assinada tenha acesso mais ágil e fácil a esse crédito.

Em evento em São Paulo na terça-feira (25/2), Haddad disse que a ampliação do consignado será uma “revolução”.

“Temos de folha, de aposentado e servidor público, R$ 100 bilhões. Ele alavanca R$ 600 bilhões de consignado, entre INSS e regime próprio”, destacou Haddad, em conferência organizada pelo banco BTG Pactual, segundo o jornal Estado de S. Paulo.

“No caso do privado celetista, a folha é mais ou menos R$ 100 bilhões, e ele alavanca R$ 40 bilhões. Por quê? Porque não está disponível o mecanismo de garantia, muito burocrático.”

Segundo levantamento do Banco Central junto a 46 instituições financeiras, a taxa de juros cobrada no consignado de trabalhadores privados variou de 21,34% ao ano a 128,35% ao ano em janeiro.

Já a taxa do crédito pessoal não consignado cobrada em 80 bancos variou de 13,98% ao ano a 948,97%, no mesmo período.

Não está claro se a nova modalidade a ser anunciada para o governo terá um limite de juros.

O crédito consignado para aposentados do INSS hoje tem taxa máxima de 1,80% ao mês (24% ao ano), limite fixado pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

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