Congresso atua como sindicato dos ricos e trava ajuste fiscal de que Brasil precisa, diz especialista em desigualdade

Desde que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o pacote de corte de gastos públicos planejado pelo governo, na última quarta-feira de novembro, o país vive as consequências das reações à proposta.

O dólar ultrapassou a casa dos R$ 6 pela primeira vez na história no dia seguinte ao anúncio e lá ficou como expressão da insatisfação do mercado – que diz que esperava por medidas mais rígidas de redução fiscal. Na segunda-feira (17), o dólar fechou em R$ 6,09.

No Congresso, a bancada governista também torceu o nariz, mas por outra razão: deputados estavam preocupados com as implicações nos programas sociais, sobretudo no Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas também no salário mínimo.

Um dos maiores especialistas em desigualdades do país, o sociólogo Marcelo Medeiros, evita fazer críticas diretas ao ministro e seu pacote, mas deixa claro que, para ele, as medidas são ruins — e por vários motivos.

“É que é mais fácil cortar de quem é pobre do que de quem é rico. Também é mais imoral”, resume.

À BBC News Brasil, Medeiros, que está pesquisando neste ano na Universidade Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, e ainda é ligado à Universidade de Brasília (UnB), argumenta que o ajuste fiscal deveria focar em tributação no topo da renda, e não na base.

Para ele, estendendo essa análise, a decisão de isentar do Imposto de Renda (IR) uma classe média que ganha até R$ 5 mil por mês é uma “gotinha no oceano” perto do que deveria ser, para ele, realmente feito: revisar o grosso dos subsídios fiscais para diferentes setores produtivos.

Por causa desses subsídios, em 2022, o país renunciou a um montante de R$ 581 bilhões – ou mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) – em impostos, segundo dados oficiais.

Mas esse ajuste fiscal, que ele considera o pacote que deveria ser feito, de fato, não avança no Brasil por causa do Congresso, “que está atuando como um empecilho à economia do país” ao se comportar como um “sindicato dos ricos”.

Porém, na leitura de Medeiros, o erro político — e moral — mais grave está em mexer no salário mínimo, que terá um teto de 2,5% de reajuste anual.

“Do Plano Real para cá, o principal mecanismo de redução de pobreza no Brasil tem sido o salário mínimo, e não Bolsa Família ou qualquer outro programa de assistência”, diz Medeiros.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Sociólogo aponta limitações e problemas em pacote de ajuste fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad

BBC News Brasil – De que forma esse pacote de corte de gastos pode impactar os indicadores sobre a desigualdade?

Marcelo Medeiros – É pouco provável que qualquer ajuste desse tipo tenha impacto relevante sobre a desigualdade. Na verdade, foram os aumentos sistemáticos do salário mínimo no passado que fizeram com que ela caísse — e freá-los significa justamente frear as reduções da pobreza e da desigualdade. Por outro lado, a preocupação fiscal não pode ser ignorada.

Essa decisão [de cortar gastos] é difícil de se tomar. É que qualquer ajuste fiscal no Brasil tem que passar necessariamente por um aumento expressivo da arrecadação. Nessa circunstância, diminuir gastos ou é muito difícil ou é imoral. Cortar gastos de assistência ou fazer restrições desse tipo é imoral.

BBC News Brasil – Mas como aumentar a arrecadação em um cenário de pressão, justamente, por cortes?

Medeiros – O Brasil tem, na verdade, que resolver o volume monstruoso de subsídios fiscais, que hoje é da ordem de pelo menos R$ 500 bilhões, distribuídos entre inúmeros setores, muitos deles sem razões claras para recebê-los, porque o retorno que oferecem ao desenvolvimento do país é baixo.

Não são justificáveis. Tudo isso fora alguns problemas de natureza tributária, para os quais era preciso um plano. Mas, ainda que muita gente queira discutir o papel do Executivo nisso, o grande obstáculo desse ajuste fiscal [que deveria ser feito] é o Congresso. Ele está se tornando uma barreira para as finanças públicas do país e para a boa condução da economia. O Brasil precisa entender isso rapidamente.

BBC News Brasil – Por que o Congresso é um obstáculo?

Medeiros – Ele tem que assumir tanto sua responsabilidade fiscal quanto social, e não se comportar como um agente dos seus próprios interesses, financiando processos políticos interiores que se tornarão campanhas eleitorais no futuro. O Congresso é o grande problema do Brasil hoje ao não assumir esse papel e ficar aprovando extensões de subsídios.

Essa ênfase em aumentar arrecadação conflita com setores que insistiam por um pacote de cortes de gastos, principalmente aquele que todo mundo chama de “mercado”. Por que essa exigência tem sido tão intensa?

Não é possível cortar gastos, muitos gastos, de maneira simultaneamente rápida e responsável. Não dá. E, se a gente olhar para a estrutura do orçamento, tirando os subsídios tributários, todo o resto a gente não pode deixar de ter.

É criminoso tirar recursos do SUS [Sistema Único de Saúde] ou do sistema educacional, por exemplo. A principal demanda do orçamento é dada pelo sistema previdenciário, e há margem para novas reformas previdenciárias. Isso terá que ser feito. Não é trivial, mas vai depender do Congresso, que deixou janelas abertas na última reforma que fez [em 2019]. Ele precisará fazer escolhas de natureza distributiva. Mas a pergunta fundamental é: quem vai pagar pelo ajuste fiscal brasileiro?

Congresso ‘está se tornando uma barreira para as finanças públicas do país e para a boa condução da economia’, diz sociólogo

BBC News Brasil – E quem terá que pagar, na opinião do senhor?

Medeiros – Por que fazer um ajuste fiscal? Porque está gastando mais do que se arrecada. A solução para isso é ou arrecadar mais ou gastar menos. Essa última opção é bastante complicada, mas a primeira — aumentar arrecadação — é difícil do ponto de vista político, embora seja viável a curto prazo.

O Brasil terá que enfrentar o fato de que terá que aumentar sua arrecadação. Não há alternativa. Não tem um cenário bem desenhado hoje que garanta equilíbrio fiscal fazendo cortes de forma irresponsável. O que temos são cortes que só vão fazer a máquina — e por “máquina” eu me refiro ao sistema educacional, à saúde, etc. — funcionar mal. Ninguém quer que isso aconteça. A solução, então, é aumentar a arrecadação.

BBC News Brasil – Como isso poderia ser feito em curto prazo?

Medeiros – Nosso sistema tributário é ruim em muitas dimensões. Um deles é justamente controlar essa máquina gigantesca de subsídios — problema de ordem tributária. O Brasil gasta muito mais dinheiro com ela do que com programas de assistência social, como o Bolsa Família, por exemplo.

Para enfrentar isso, será necessário passar pelo Congresso, que é parte interessada [nesse processo]. Eu entendo que essa é uma decisão politicamente delicada, mas o Congresso deve assumir sua responsabilidade. Se ele quer ter poder de governo, com mais comando sobre o orçamento público, então, precisa ter responsabilidade correspondente a esse aumento de poder.

BBC News Brasil – Se é o arcabouço tributário quem estrutura a desigualdade, qual é o papel, então, dos programas sociais nesse sistema?

Medeiros – Precisamos nomear corretamente as diferentes desigualdades. Desigualdade de renda é diferente de desigualdade de [acesso à] saúde, que é diferente, por sua vez, da desigualdade educacional. O sistema tributário afeta a desigualdade de renda por um lado e, por outro, gera mais recursos para o governo gastar com saúde e educação.

Programas de assistência social não são irrelevantes, mas têm impacto pequeno sobre a desigualdade. O dinheiro gasto com educação como um todo ou com saúde são determinantes nas desigualdades das suas duas respectivas áreas. A massa da população não vive adequadamente sem SUS e sem um sistema de ensino gratuito, sem o qual ela não chegaria ao ensino superior. E ela precisa chegar nele.

BBC News Brasil – Mas e a Previdência Social nisso?

Medeiros – Ela não é só um gasto como outro qualquer: é a combinação de uma poupança que as pessoas fazem ao longo do tempo com um seguro e com mecanismos de assistência social. Parte do que a Previdência está fazendo hoje equivale, do ponto de vista contábil, a uma poupança que vai sendo acumulada e paga.

Não estou dizendo que não existem subsídios previdenciários. A ingenuidade é achar que a Previdência é um gasto como qualquer outro. É claro que precisamos de reformas previdenciárias, porque o sistema não vai aguentar mesmo. Temos que ter idades mínimas mais altas. Tem grupos se aposentando com 55 anos! Eles podem fazer isso desde que paguem mais. Assim como é óbvia a necessidade de um mecanismo de proteção dos idosos, como vários outros países têm e que, no caso do Brasil, funciona via BPC [Benefício de Prestação Continuada].

BBC News Brasil – Que vai ser ajustado também agora.

Medeiros – Mas é claro. É mais fácil cortar de quem é pobre do que de quem é rico. Mas também é mais imoral.

BBC News Brasil – O ponto, então, não é a existência do corte, mas o objeto dele?

Medeiros – Claro. O Brasil tem que ter responsabilidade fiscal. A pergunta é quem paga por ela e quem deixa de pagar. O Congresso não está ajudando ao não fazer os ricos pagarem pelo desenvolvimento do país. Ele precisar deixar de ser um empecilho para a condução da política fiscal brasileira.

‘Grande massa da população brasileira’ ganha um salário mínimo por mês, aponta Medeiros

BBC News Brasil – Em meio a esse pacote, qual é o peso real dos gastos públicos sobre a desigualdade? O Índice de Gini do Brasil, por exemplo, caiu muito (para 0,481, segundo dados do Ipea) na metade de 2022, durante a pandemia, por causa do Auxílio Emergencial.

Medeiros – Não dá para medir muito bem, mas veja só: o Índice de Gini mede distribuição de renda. Quando o país corta gastos do sistema de saúde, por exemplo, isso não se mede pela desigualdade de renda, mas pela desigualdade na saúde. É por isso que essa palavra deve ser sempre conjugada no plural: desigualdades.

O Brasil tem muitas delas: na saúde, na educação e… na renda. Cada vez que há um corte de gastos, a área correspondente é a mais impactada. Tirar dinheiro da assistência impacta na pobreza, por exemplo. E é importante lembrar que o Estado não gera só efeitos diretos [com a maneira como maneja os recursos], mas também indiretos — que nós chamamos de efeitos de “segunda ordem”.

Quando ele cria um gasto no presente para melhorar a qualificação da mão de obra, no futuro se espera uma produtividade melhor, ou quando ele investe em algo para tornar a população mais saudável, a expectativa é que a despesa com saúde caia lá na frente. É uma equação complexa.

BBC News Brasil – E há alguma chance de o Congresso mudar sua atuação nesse sentido?

Medeiros – Politicamente, eu não sei dizer, porque não sou analista político, mas deveria ser, porque, sem colaboração dele, o Brasil continuará instável. Tem coisas que não estão sendo sequer propostas, porque todo mundo já sabe que serão barradas.

BBC News Brasil – O que, por exemplo?

Medeiros – A reforma do Imposto de Renda que acaba com regimes especiais de tributação.

BBC News Brasil – Haddad tem tido certo sucesso em negociar os pontos do pacote de cortes com o Congresso — especialmente no Senado. Um deles é justamente aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil e tributar rendas maiores.

Medeiros – Mas não é isso que a gente realmente precisa. É algo muito pequeno diante do tamanho da reforma tributária que o Brasil tem que fazer, mudando brutalmente os regimes do Simples Nacional e do Lucro Presumido para que todos paguem impostos do mesmo jeito. Como está hoje, estamos criando condições para um grupo pagar muito menos do que o resto da população. Não pode. Está errado.

BBC News Brasil – A isenção, aliás, foi criticada por beneficiar mais uma certa classe média, do que quem está, de fato, em situação de pobreza. O recorte de renda (R$ 5 mil) definido no pacote é socialmente efetivo?

Medeiros – Não tenho cálculos para te responder melhor, mas o que posso insistir é que a reforma tributária que o Brasil precisa não é para aliviar tributação na base, mas para melhorar a tributação no topo, onde ela é muito baixa. Temos vários mecanismos que sustentam essa estrutura. Falta, por exemplo, uma tributação sobre lucros e dividendos de Pessoa Física (PF), que hoje é ruim. É fundamental mexer nos regimes especiais.

O próprio MEI [Microempreendedor individual] é um problema que precisa ser resolvido logo, assim como a série de investimentos subsidiários, como a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), que não paga imposto algum, e o tributo sobre aplicações financeiras, que pagam a menor alíquota possível (15%) e ainda não entram como rendimento total [na declaração do IR]. Nosso Imposto de Renda está fazendo tudo o que pode para não ser progressivo, para não cobrar dos mais ricos. Esse desenho é muito ruim.

BBC News Brasil – Quais as prioridades?

Medeiros – Resolver os regimes especiais e acabar com o Simples [Nacional], com o Lucro Presumido e com o MEI, além da tonelada de subsídios. Há muito subsídio para o agronegócio, por exemplo, e ele não precisa disso. É um setor estabelecido e nem é tão dinâmico assim. Tem também tudo quanto é subsídio para mão de obra, como a própria exoneração da folha de pagamentos, que passa ao largo do debate público porque a imprensa se beneficia dele. Isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês de declarar o Imposto de Renda é só uma gotinha no oceano desses benefícios todos.

BBC News Brasil – Por essa lógica, a decisão de mudar a estrutura do IR, então, é paliativa.

Medeiros – A isenção parece paliativa. O Brasil tem pouca progressividade. A alíquota superior brasileira, de 27,5%, é baixa. Temos que ter alíquotas mais altas, inclusive no topo, aumentando também a base tributária. Tem que tributar todos os rendimentos de capital como renda, não de forma separada. Não tem por que ser assim. Hoje, um advogado empresário paga infinitamente menos imposto do que um advogado empregado. Isso está errado. Sem contar que é ruim até para a Previdência, porque aumenta o déficit.

O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad; governo anunciou que seu pacote de ajuste fiscal traria economia de R$ 327 bi

BBC News Brasil – Esse é o problema que o senhor enxerga no regime do MEI também?

Medeiros – O MEI tem dois problemas. O primeiro é que ele está destruindo a proteção trabalhista brasileira. Uma pessoa que trabalha [nesse regime] é um empregado contratado sem proteções trabalhistas. É ruim para quem trabalha. Fora que essas proteções são positivas para a própria dinâmica do mercado de trabalho. Até porque o valor do MEI é muito alto: tem gente ganhando o limite dele [R$ 81 mil]. Segundo que ele não tem uma contribuição previdenciária adequada, e isso significa que os trabalhadores que são MEI vão ter se aposentar apenas com um salário mínimo. Isso também é muito ruim.

O resultado são dois trabalhadores idênticos no mercado: um pagando muito menos imposto e sem proteção, e um outro cheio de proteções trabalhistas, mas custando caro. Tem que nivelar. Não há nenhuma razão para que o MEI seja tolerado como ele é. Trata-se de uma forma legal de subemprego. Não é à toa que cresce assustadoramente.

BBC News Brasil – O argumento contrário a esse diz que, como as proteções são muito altas, o MEI dinamiza o mercado de trabalho.

Medeiros – Não conheço ninguém que tenha feito uma conta séria sobre isso. Uma coisa é justificar um pintor de parede, por exemplo, que virou MEI. Era um trabalhador que prestava serviço sem ter empresa aberta e, agora, tem. Mas o MEI virou uma relação trabalhista camuflada. Todo mundo que conheço concorda que as proteções trabalhistas são boas para garantir o funcionamento do mercado do trabalho. Agora, se custa caro ou não, é claro que tudo custa caro…

BBC News Brasil – E qual é o problema do Simples? Estão nele pequenas e médias empresas, por exemplo, que ganharam outra dimensão discursiva dentro do debate sobre a economia brasileira – como geradoras de trabalho e dinamizadoras das trocas cotidianas.

Medeiros – Em primeiro lugar, os valores do Simples Nacional são muito altos. Há empresas ganhando muito dinheiro [dentro do regime]. Segundo: tem gente abrindo duas, três, quatro empresas só para se manter dentro dos limites [de faturamento]. Tem empresa do setor da construção civil, por exemplo, abrindo uma empresa nova para cada edifício [construído] como forma de burlar a tributação. Temos uma fiscalização ruim sobre isso, sem contar a falta de clareza da legislação. Uma coisa é simplificar o mecanismo burocrático [de arrecadação dos impostos].

O que não existe é razão para se tributar menos um regime do que outro. O Simples é até mais fácil de se processar burocraticamente, mas [quem está nele] paga menos imposto. Isso é péssimo. O correto seria obrigar as pessoas donas dessas empresas a pagar para si mesmas um salário correspondente à da função no mercado, como acontece em muitos países. Caberia, então, à Receita Federal fiscalizar e multar quem não estivesse cumprindo essa regra. O Simples virou uma forma legal de burlar tributação.

‘O Brasil subsidia o petróleo do agronegócio, mas não a gasolina do produtor de banana’, afirma Medeiros

BBC News Brasil – Quais seriam os ajustes necessários em ambos os regimes?

Medeiros – O ajuste seria baixar tremendamente os valores autorizáveis [de faturamento]. O MEI deveria se limitar a um salário mínimo por mês, e o Simples se limitar a um pouco mais do que isso. Ou, então, acabar com eles.

BBC News Brasil – Por quê?

Medeiros – Não tem motivo [de existirem]. No passado, fazia sentido simplificar a contabilidade, mas hoje todas as empresas do Simples mantêm a contabilidade regular necessária para estarem em outro regime tributário, enquanto processos eletrônicos atuais tornaram a manutenção dessa contabilidade mais barata. Logo, não há razão, do ponto de vista de simplificação burocrática, para ele existir mais.

O ponto é que ninguém entra no Simples porque ele é mais fácil. As empresas entram nele porque ele é mais barato do ponto de vista tributário. Elas estão entrando nele para não pagar impostos. E a questão não é nem essa, mas, novamente, o fato de o pesar dos subsídios estar indo para os mais ricos. Eles estão na tributação sobre insumos, basicamente utilizado pelo agro, ou sobre transportes, que o agro também usa para exportar. O Brasil subsidia o petróleo do agronegócio, mas não a gasolina do produtor de banana.

BBC News Brasil – São benefícios oriundos de políticas de industrialização.

Medeiros – Políticas baseadas em reduções tributárias geralmente são ineficientes. Se o objetivo for fazer política industrial, funciona melhor gastando em infraestrutura, em transferência direta, em compra direta, e não em subsídio tributário. É uma política antiga, que todo mundo já viu que não funciona, porque [o excedente] é altamente apropriado. Vira lucro em vez de investimento.

BBC News Brasil – Voltando ao pacote de gastos, o quanto aumentar impostos daqueles que ganham acima de R$ 50 mil é efetivo, considerando que, como o senhor já escreveu, o grosso da renda dos mais ricos no Brasil não vem do trabalho, mas do patrimônio?

Medeiros – Uma boa medida para resolver esse problema da tributação dos mais ricos seria fazer uma integração tributária. Funcionaria assim: o que se paga como Pessoa Jurídica (PJ) é descontado do Imposto de Renda da Pessoa Física (PF). E o contrário também: o que não for pago como Pessoa Jurídica vai para o IR. Na verdade, é como se não existisse Pessoa Jurídica, mas só Pessoa Física.

Tudo fica tributado do mesmo jeito. Nos Estados Unidos é assim. Não diferenciar renda é, inclusive, a recomendação internacional. Renda é renda e deve ser tributada da mesma forma sempre.

BBC News Brasil – O corte de gastos também estipulou um teto ao reajuste anual do salário mínimo. Qual é a sua opinião do senhor sobre isso?

Medeiros – Existe muito erro nesses cálculos sobre o impacto do salário mínimo nas contas públicas. Primeiro que o único impacto ao governo está na Previdência, porque quem paga boa parte dos efeitos do salário mínimo é o setor privado. Segundo que uma parte grande do salário mínimo vira imposto automaticamente, porque ao pagá-lo, o governo recolhe automaticamente a Previdência.

A conta que está sendo subestimada é essa: um quinto do salário mínimo vira previdência. Além disso, cerca de 15 a 17% dele vira arrecadação tributária por meio do consumo, porque as pessoas compram coisas com esse dinheiro e pagam impostos sobre elas. Ao final, portanto, quase metade do salário mínimo vira imposto antes do final do mês em que ele foi pago.

Tudo isso não são erros triviais de cálculo: eles são deliberados para não reajustar o salário mínimo. Mas o que a gente não pode esquecer é que, do Plano Real [1994] para cá, o principal mecanismo de redução de pobreza no Brasil tem sido o salário mínimo — e não o Bolsa Família ou qualquer outro programa de assistência. A queda da pobreza pós-Plano Real foi, em pelo menos metade dela da sua dimensão, derivada do aumento do salário mínimo e, de lá para cá, vem sendo assim. Isso é algo fundamental de se entender nesse debate.

BBC News Brasil – A limitação do reajuste, portanto, vai impactar na desigualdade.

Medeiros – Se vamos limitar os aumentos do salário mínimo — o que não está fora da mesa de discussão —, temos que fazer isso sabendo que se trata de uma decisão que significa parar de reduzir pobreza e desigualdade. Se está escolhendo fazer esse ajuste pelo lado dos mais pobres, o que é imoral, e não fazê-lo pelo lado dos mais ricos, mexendo nas vantagens tributárias, o que, obviamente, é moralmente aceitável.

Agora, por que isso está sendo feito assim? Por uma série de razões, mas parte delas é porque o Congresso atua como trava para fazer o reajuste no lado dos mais ricos. Ao fazer isso, ele atua como sindicato dos ricos. Isso é péssimo para a economia do país.

BBC News Brasil – O salário mínimo tem peso maior na conjuntura brasileira, considerando que ele também nivela os salários de quem está na informalidade?

Medeiros – Sim, porque afeta muita gente. No caso dos informais, ele serve como referência. Mas não só: afeta também quem presta serviços para os mais pobres, porque quando o salário mínimo aumenta, cresce também o consumo desses serviços: quem planta comida para vender ao pobre, quem pinta a parede do pobre, etc.

BBC News Brasil – Mas de que pobres estamos falando, já que há toda uma categoria de “não pobres” na literatura sociológica para se referir à população que é vulnerável, no sentido de estar a uma demissão da pobreza, por exemplo?

Medeiros – A grande massa da população brasileira ganha um salário mínimo por mês. “Não pobres” são pessoas muito parecidas aos “pobres”, porque ganham algo em torno disso também. A massa dos benefícios previdenciários, da mesma forma, é composta por um salário mínimo. Ou seja, o grosso da população é afetado por esses reajustes. É por isso que, politicamente, trata-se de um grande erro restringir aumentos do salário mínimo ao invés de se pagar o preço político de fazer o ajuste entre os mais ricos.

BBC News Brasil – Há um argumento comum de que, se um país cresce e o governo possui mecanismos de distribuição justa da renda, a desigualdade cai ou se estabiliza. Mas, em 2024, o Índice de Gini do Brasil foi bastante irregular: subiu do primeiro trimestre para o segundo e, então, caiu no terceiro. Isso tudo em uma economia que está indo bem…

Medeiros – [Interrompe] … Dizer que a economia está indo bem faz pouco sentido. O PIB, em uma economia de propriedade privada, não é apropriado pelo país. Alguém se apropria disso. A economia pode estar indo muito bem para os ricos e muito mal para os pobres ou vice-versa. São duas coisas completamente diferentes e que podem coexistir dentro da mesma taxa de crescimento. A pergunta a se fazer é: quem está ganhando? Quem está preocupado com desigualdade não olha para a taxa total do crescimento, mas para a distribuição desse crescimento.

BBC News Brasil – A explicação para esse fenômeno do Gini é que a economia dos mais pobres não está crescendo?

Medeiros – O grande determinante do desempenho do mercado de trabalho dos mais pobres é justamente o salário mínimo. Não é o único, obviamente, mas ele é muito importante. A economia brasileira pode crescer, por exemplo, caso o câmbio alto torne a venda da nossa soja mais favorável, mas isso teria pouco efeito distributivo, porque soja não gera emprego, mobiliza pouca gente, etc.

A mesma coisa com petróleo: supondo que ele suba de valor no mercado internacional e faça nosso PIB crescer, porque o vendemos. Pouca gente seria beneficiada, especialmente porque o petróleo não é tributado como deveria. Seria benéfico se ele estivesse pagando impostos sem subsídios, mas como a gente faz essas renúncias, a alta no preço dele, ainda que faça o PIB crescer, não se transforma em estabilidade econômica.

BBC News Brasil – Outra análise sua é que a riqueza dos 0,5% no topo da pirâmide social é muito distante da do resto do país. Essa distância impede qualquer efeito, de qualquer mecanismo, sobre a desigualdade?

Medeiros – Não. Precisaríamos apenas explorar mecanismos técnicos e econômicos que permitiriam fazer isso. O que impede são barreiras de natureza política, porque esses grupos não aceitariam. Eles usariam todos os mecanismos disponíveis para evitar que isso fosse mudado. É assim na própria história humana, não só no Brasil. Essas pessoas tentam derrubar governos, subornar parlamentos, várias coisas. E é claro que elas tomariam medidas radicais para garantir suas vantagens.

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Congresso atua como sindicato dos ricos e trava ajuste fiscal de que Brasil precisa, diz especialista em desigualdade

Desde que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o pacote de corte de gastos públicos planejado pelo governo, na última quarta-feira de novembro, o país vive as consequências das reações à proposta.

O dólar ultrapassou a casa dos R$ 6 pela primeira vez na história no dia seguinte ao anúncio e lá ficou como expressão da insatisfação do mercado – que diz que esperava por medidas mais rígidas de redução fiscal. Na segunda-feira (17), o dólar fechou em R$ 6,09.

No Congresso, a bancada governista também torceu o nariz, mas por outra razão: deputados estavam preocupados com as implicações nos programas sociais, sobretudo no Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas também no salário mínimo.

Ao final, o Planalto precisou negociar com seu próprio partido, PT, por votações favoráveis aos projetos.

Um dos maiores especialistas em desigualdades do país, o sociólogo Marcelo Medeiros, evita fazer críticas diretas ao ministro e seu pacote, mas deixa claro que, para ele, as medidas são ruins — e por vários motivos.

“É que é mais fácil cortar de quem é pobre do que de quem é rico. Também é mais imoral”, resume.

À BBC News Brasil, Medeiros, que está pesquisando neste ano na Universidade Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, e ainda é ligado à Universidade de Brasília (UnB), argumenta que o ajuste fiscal deveria focar em tributação no topo da renda, e não na base.

Para ele, estendendo essa análise, a decisão de isentar do Imposto de Renda (IR) uma classe média que ganha até R$ 5 mil por mês é uma “gotinha no oceano” perto do que deveria ser, para ele, realmente feito: revisar o grosso dos subsídios fiscais para diferentes setores produtivos.

Por causa desses subsídios, em 2022, o país renunciou a um montante de R$ 581 bilhões – ou mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) – em impostos, segundo dados oficiais.

Mas esse ajuste fiscal, que ele considera o pacote que deveria ser feito, de fato, não avança no Brasil por causa do Congresso, “que está atuando como um empecilho à economia do país” ao se comportar como um “sindicato dos ricos”.

Porém, na leitura de Medeiros, o erro político — e moral — mais grave está em mexer no salário mínimo, que terá um teto de 2,5% de reajuste anual.

“Do Plano Real para cá, o principal mecanismo de redução de pobreza no Brasil tem sido o salário mínimo, e não Bolsa Família ou qualquer outro programa de assistência”, diz Medeiros.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Sociólogo aponta limitações e problemas em pacote de ajuste fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad

BBC News Brasil – De que forma esse pacote de corte de gastos pode impactar os indicadores sobre a desigualdade?

Marcelo Medeiros – É pouco provável que qualquer ajuste desse tipo tenha impacto relevante sobre a desigualdade. Na verdade, foram os aumentos sistemáticos do salário mínimo no passado que fizeram com que ela caísse — e freá-los significa justamente frear as reduções da pobreza e da desigualdade. Por outro lado, a preocupação fiscal não pode ser ignorada.

Essa decisão [de cortar gastos] é difícil de se tomar. É que qualquer ajuste fiscal no Brasil tem que passar necessariamente por um aumento expressivo da arrecadação. Nessa circunstância, diminuir gastos ou é muito difícil ou é imoral. Cortar gastos de assistência ou fazer restrições desse tipo é imoral.

BBC News Brasil – Mas como aumentar a arrecadação em um cenário de pressão, justamente, por cortes?

Medeiros – O Brasil tem, na verdade, que resolver o volume monstruoso de subsídios fiscais, que hoje é da ordem de pelo menos R$ 500 bilhões, distribuídos entre inúmeros setores, muitos deles sem razões claras para recebê-los, porque o retorno que oferecem ao desenvolvimento do país é baixo.

Não são justificáveis. Tudo isso fora alguns problemas de natureza tributária, para os quais era preciso um plano. Mas, ainda que muita gente queira discutir o papel do Executivo nisso, o grande obstáculo desse ajuste fiscal [que deveria ser feito] é o Congresso. Ele está se tornando uma barreira para as finanças públicas do país e para a boa condução da economia. O Brasil precisa entender isso rapidamente.

BBC News Brasil – Por que o Congresso é um obstáculo?

Medeiros – Ele tem que assumir tanto sua responsabilidade fiscal quanto social, e não se comportar como um agente dos seus próprios interesses, financiando processos políticos interiores que se tornarão campanhas eleitorais no futuro. O Congresso é o grande problema do Brasil hoje ao não assumir esse papel e ficar aprovando extensões de subsídios.

Essa ênfase em aumentar arrecadação conflita com setores que insistiam por um pacote de cortes de gastos, principalmente aquele que todo mundo chama de “mercado”. Por que essa exigência tem sido tão intensa?

Não é possível cortar gastos, muitos gastos, de maneira simultaneamente rápida e responsável. Não dá. E, se a gente olhar para a estrutura do orçamento, tirando os subsídios tributários, todo o resto a gente não pode deixar de ter.

É criminoso tirar recursos do SUS [Sistema Único de Saúde] ou do sistema educacional, por exemplo. A principal demanda do orçamento é dada pelo sistema previdenciário, e há margem para novas reformas previdenciárias. Isso terá que ser feito. Não é trivial, mas vai depender do Congresso, que deixou janelas abertas na última reforma que fez [em 2019]. Ele precisará fazer escolhas de natureza distributiva. Mas a pergunta fundamental é: quem vai pagar pelo ajuste fiscal brasileiro?

Congresso ‘está se tornando uma barreira para as finanças públicas do país e para a boa condução da economia’, diz sociólogo

BBC News Brasil – E quem terá que pagar, na opinião do senhor?

Medeiros – Por que fazer um ajuste fiscal? Porque está gastando mais do que se arrecada. A solução para isso é ou arrecadar mais ou gastar menos. Essa última opção é bastante complicada, mas a primeira — aumentar arrecadação — é difícil do ponto de vista político, embora seja viável a curto prazo.

O Brasil terá que enfrentar o fato de que terá que aumentar sua arrecadação. Não há alternativa. Não tem um cenário bem desenhado hoje que garanta equilíbrio fiscal fazendo cortes de forma irresponsável. O que temos são cortes que só vão fazer a máquina — e por “máquina” eu me refiro ao sistema educacional, à saúde, etc. — funcionar mal. Ninguém quer que isso aconteça. A solução, então, é aumentar a arrecadação.

BBC News Brasil – Como isso poderia ser feito em curto prazo?

Medeiros – Nosso sistema tributário é ruim em muitas dimensões. Um deles é justamente controlar essa máquina gigantesca de subsídios — problema de ordem tributária. O Brasil gasta muito mais dinheiro com ela do que com programas de assistência social, como o Bolsa Família, por exemplo.

Para enfrentar isso, será necessário passar pelo Congresso, que é parte interessada [nesse processo]. Eu entendo que essa é uma decisão politicamente delicada, mas o Congresso deve assumir sua responsabilidade. Se ele quer ter poder de governo, com mais comando sobre o orçamento público, então, precisa ter responsabilidade correspondente a esse aumento de poder.

BBC News Brasil – Se é o arcabouço tributário quem estrutura a desigualdade, qual é o papel, então, dos programas sociais nesse sistema?

Medeiros – Precisamos nomear corretamente as diferentes desigualdades. Desigualdade de renda é diferente de desigualdade de [acesso à] saúde, que é diferente, por sua vez, da desigualdade educacional. O sistema tributário afeta a desigualdade de renda por um lado e, por outro, gera mais recursos para o governo gastar com saúde e educação.

Programas de assistência social não são irrelevantes, mas têm impacto pequeno sobre a desigualdade. O dinheiro gasto com educação como um todo ou com saúde são determinantes nas desigualdades das suas duas respectivas áreas. A massa da população não vive adequadamente sem SUS e sem um sistema de ensino gratuito, sem o qual ela não chegaria ao ensino superior. E ela precisa chegar nele.

BBC News Brasil – Mas e a Previdência Social nisso?

Medeiros – Ela não é só um gasto como outro qualquer: é a combinação de uma poupança que as pessoas fazem ao longo do tempo com um seguro e com mecanismos de assistência social. Parte do que a Previdência está fazendo hoje equivale, do ponto de vista contábil, a uma poupança que vai sendo acumulada e paga.

Não estou dizendo que não existem subsídios previdenciários. A ingenuidade é achar que a Previdência é um gasto como qualquer outro. É claro que precisamos de reformas previdenciárias, porque o sistema não vai aguentar mesmo. Temos que ter idades mínimas mais altas. Tem grupos se aposentando com 55 anos! Eles podem fazer isso desde que paguem mais. Assim como é óbvia a necessidade de um mecanismo de proteção dos idosos, como vários outros países têm e que, no caso do Brasil, funciona via BPC [Benefício de Prestação Continuada].

BBC News Brasil – Que vai ser ajustado também agora.

Medeiros – Mas é claro. É mais fácil cortar de quem é pobre do que de quem é rico. Mas também é mais imoral.

BBC News Brasil – O ponto, então, não é a existência do corte, mas o objeto dele?

Medeiros – Claro. O Brasil tem que ter responsabilidade fiscal. A pergunta é quem paga por ela e quem deixa de pagar. O Congresso não está ajudando ao não fazer os ricos pagarem pelo desenvolvimento do país. Ele precisar deixar de ser um empecilho para a condução da política fiscal brasileira.

‘Grande massa da população brasileira’ ganha um salário mínimo por mês, aponta Medeiros

BBC News Brasil – Em meio a esse pacote, qual é o peso real dos gastos públicos sobre a desigualdade? O Índice de Gini do Brasil, por exemplo, caiu muito (para 0,481, segundo dados do Ipea) na metade de 2022, durante a pandemia, por causa do Auxílio Emergencial.

Medeiros – Não dá para medir muito bem, mas veja só: o Índice de Gini mede distribuição de renda. Quando o país corta gastos do sistema de saúde, por exemplo, isso não se mede pela desigualdade de renda, mas pela desigualdade na saúde. É por isso que essa palavra deve ser sempre conjugada no plural: desigualdades.

O Brasil tem muitas delas: na saúde, na educação e… na renda. Cada vez que há um corte de gastos, a área correspondente é a mais impactada. Tirar dinheiro da assistência impacta na pobreza, por exemplo. E é importante lembrar que o Estado não gera só efeitos diretos [com a maneira como maneja os recursos], mas também indiretos — que nós chamamos de efeitos de “segunda ordem”.

Quando ele cria um gasto no presente para melhorar a qualificação da mão de obra, no futuro se espera uma produtividade melhor, ou quando ele investe em algo para tornar a população mais saudável, a expectativa é que a despesa com saúde caia lá na frente. É uma equação complexa.

BBC News Brasil – E há alguma chance de o Congresso mudar sua atuação nesse sentido?

Medeiros – Politicamente, eu não sei dizer, porque não sou analista político, mas deveria ser, porque, sem colaboração dele, o Brasil continuará instável. Tem coisas que não estão sendo sequer propostas, porque todo mundo já sabe que serão barradas.

BBC News Brasil – O que, por exemplo?

Medeiros – A reforma do Imposto de Renda que acaba com regimes especiais de tributação.

BBC News Brasil – Haddad tem tido certo sucesso em negociar os pontos do pacote de cortes com o Congresso — especialmente no Senado. Um deles é justamente aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil e tributar rendas maiores.

Medeiros – Mas não é isso que a gente realmente precisa. É algo muito pequeno diante do tamanho da reforma tributária que o Brasil tem que fazer, mudando brutalmente os regimes do Simples Nacional e do Lucro Presumido para que todos paguem impostos do mesmo jeito. Como está hoje, estamos criando condições para um grupo pagar muito menos do que o resto da população. Não pode. Está errado.

BBC News Brasil – A isenção, aliás, foi criticada por beneficiar mais uma certa classe média, do que quem está, de fato, em situação de pobreza. O recorte de renda (R$ 5 mil) definido no pacote é socialmente efetivo?

Medeiros – Não tenho cálculos para te responder melhor, mas o que posso insistir é que a reforma tributária que o Brasil precisa não é para aliviar tributação na base, mas para melhorar a tributação no topo, onde ela é muito baixa. Temos vários mecanismos que sustentam essa estrutura. Falta, por exemplo, uma tributação sobre lucros e dividendos de Pessoa Física (PF), que hoje é ruim. É fundamental mexer nos regimes especiais.

O próprio MEI [Microempreendedor individual] é um problema que precisa ser resolvido logo, assim como a série de investimentos subsidiários, como a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), que não paga imposto algum, e o tributo sobre aplicações financeiras, que pagam a menor alíquota possível (15%) e ainda não entram como rendimento total [na declaração do IR]. Nosso Imposto de Renda está fazendo tudo o que pode para não ser progressivo, para não cobrar dos mais ricos. Esse desenho é muito ruim.

BBC News Brasil – Quais as prioridades?

Medeiros – Resolver os regimes especiais e acabar com o Simples [Nacional], com o Lucro Presumido e com o MEI, além da tonelada de subsídios. Há muito subsídio para o agronegócio, por exemplo, e ele não precisa disso. É um setor estabelecido e nem é tão dinâmico assim. Tem também tudo quanto é subsídio para mão de obra, como a própria exoneração da folha de pagamentos, que passa ao largo do debate público porque a imprensa se beneficia dele. Isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês de declarar o Imposto de Renda é só uma gotinha no oceano desses benefícios todos.

BBC News Brasil – Por essa lógica, a decisão de mudar a estrutura do IR, então, é paliativa.

Medeiros – A isenção parece paliativa. O Brasil tem pouca progressividade. A alíquota superior brasileira, de 27,5%, é baixa. Temos que ter alíquotas mais altas, inclusive no topo, aumentando também a base tributária. Tem que tributar todos os rendimentos de capital como renda, não de forma separada. Não tem por que ser assim. Hoje, um advogado empresário paga infinitamente menos imposto do que um advogado empregado. Isso está errado. Sem contar que é ruim até para a Previdência, porque aumenta o déficit.

O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad; governo anunciou que seu pacote de ajuste fiscal traria economia de R$ 327 bi

BBC News Brasil – Esse é o problema que o senhor enxerga no regime do MEI também?

Medeiros – O MEI tem dois problemas. O primeiro é que ele está destruindo a proteção trabalhista brasileira. Uma pessoa que trabalha [nesse regime] é um empregado contratado sem proteções trabalhistas. É ruim para quem trabalha. Fora que essas proteções são positivas para a própria dinâmica do mercado de trabalho. Até porque o valor do MEI é muito alto: tem gente ganhando o limite dele [R$ 81 mil]. Segundo que ele não tem uma contribuição previdenciária adequada, e isso significa que os trabalhadores que são MEI vão ter se aposentar apenas com um salário mínimo. Isso também é muito ruim.

O resultado são dois trabalhadores idênticos no mercado: um pagando muito menos imposto e sem proteção, e um outro cheio de proteções trabalhistas, mas custando caro. Tem que nivelar. Não há nenhuma razão para que o MEI seja tolerado como ele é. Trata-se de uma forma legal de subemprego. Não é à toa que cresce assustadoramente.

BBC News Brasil – O argumento contrário a esse diz que, como as proteções são muito altas, o MEI dinamiza o mercado de trabalho.

Medeiros – Não conheço ninguém que tenha feito uma conta séria sobre isso. Uma coisa é justificar um pintor de parede, por exemplo, que virou MEI. Era um trabalhador que prestava serviço sem ter empresa aberta e, agora, tem. Mas o MEI virou uma relação trabalhista camuflada. Todo mundo que conheço concorda que as proteções trabalhistas são boas para garantir o funcionamento do mercado do trabalho. Agora, se custa caro ou não, é claro que tudo custa caro…

BBC News Brasil – E qual é o problema do Simples? Estão nele pequenas e médias empresas, por exemplo, que ganharam outra dimensão discursiva dentro do debate sobre a economia brasileira – como geradoras de trabalho e dinamizadoras das trocas cotidianas.

Medeiros – Em primeiro lugar, os valores do Simples Nacional são muito altos. Há empresas ganhando muito dinheiro [dentro do regime]. Segundo: tem gente abrindo duas, três, quatro empresas só para se manter dentro dos limites [de faturamento]. Tem empresa do setor da construção civil, por exemplo, abrindo uma empresa nova para cada edifício [construído] como forma de burlar a tributação. Temos uma fiscalização ruim sobre isso, sem contar a falta de clareza da legislação. Uma coisa é simplificar o mecanismo burocrático [de arrecadação dos impostos].

O que não existe é razão para se tributar menos um regime do que outro. O Simples é até mais fácil de se processar burocraticamente, mas [quem está nele] paga menos imposto. Isso é péssimo. O correto seria obrigar as pessoas donas dessas empresas a pagar para si mesmas um salário correspondente à da função no mercado, como acontece em muitos países. Caberia, então, à Receita Federal fiscalizar e multar quem não estivesse cumprindo essa regra. O Simples virou uma forma legal de burlar tributação.

‘O Brasil subsidia o petróleo do agronegócio, mas não a gasolina do produtor de banana’, afirma Medeiros

BBC News Brasil – Quais seriam os ajustes necessários em ambos os regimes?

Medeiros – O ajuste seria baixar tremendamente os valores autorizáveis [de faturamento]. O MEI deveria se limitar a um salário mínimo por mês, e o Simples se limitar a um pouco mais do que isso. Ou, então, acabar com eles.

BBC News Brasil – Por quê?

Medeiros – Não tem motivo [de existirem]. No passado, fazia sentido simplificar a contabilidade, mas hoje todas as empresas do Simples mantêm a contabilidade regular necessária para estarem em outro regime tributário, enquanto processos eletrônicos atuais tornaram a manutenção dessa contabilidade mais barata. Logo, não há razão, do ponto de vista de simplificação burocrática, para ele existir mais.

O ponto é que ninguém entra no Simples porque ele é mais fácil. As empresas entram nele porque ele é mais barato do ponto de vista tributário. Elas estão entrando nele para não pagar impostos. E a questão não é nem essa, mas, novamente, o fato de o pesar dos subsídios estar indo para os mais ricos. Eles estão na tributação sobre insumos, basicamente utilizado pelo agro, ou sobre transportes, que o agro também usa para exportar. O Brasil subsidia o petróleo do agronegócio, mas não a gasolina do produtor de banana.

BBC News Brasil – São benefícios oriundos de políticas de industrialização.

Medeiros – Políticas baseadas em reduções tributárias geralmente são ineficientes. Se o objetivo for fazer política industrial, funciona melhor gastando em infraestrutura, em transferência direta, em compra direta, e não em subsídio tributário. É uma política antiga, que todo mundo já viu que não funciona, porque [o excedente] é altamente apropriado. Vira lucro em vez de investimento.

BBC News Brasil – Voltando ao pacote de gastos, o quanto aumentar impostos daqueles que ganham acima de R$ 50 mil é efetivo, considerando que, como o senhor já escreveu, o grosso da renda dos mais ricos no Brasil não vem do trabalho, mas do patrimônio?

Medeiros – Uma boa medida para resolver esse problema da tributação dos mais ricos seria fazer uma integração tributária. Funcionaria assim: o que se paga como Pessoa Jurídica (PJ) é descontado do Imposto de Renda da Pessoa Física (PF). E o contrário também: o que não for pago como Pessoa Jurídica vai para o IR. Na verdade, é como se não existisse Pessoa Jurídica, mas só Pessoa Física.

Tudo fica tributado do mesmo jeito. Nos Estados Unidos é assim. Não diferenciar renda é, inclusive, a recomendação internacional. Renda é renda e deve ser tributada da mesma forma sempre.

BBC News Brasil – O corte de gastos também estipulou um teto ao reajuste anual do salário mínimo. Qual é a sua opinião do senhor sobre isso?

Medeiros – Existe muito erro nesses cálculos sobre o impacto do salário mínimo nas contas públicas. Primeiro que o único impacto ao governo está na Previdência, porque quem paga boa parte dos efeitos do salário mínimo é o setor privado. Segundo que uma parte grande do salário mínimo vira imposto automaticamente, porque ao pagá-lo, o governo recolhe automaticamente a Previdência.

A conta que está sendo subestimada é essa: um quinto do salário mínimo vira previdência. Além disso, cerca de 15 a 17% dele vira arrecadação tributária por meio do consumo, porque as pessoas compram coisas com esse dinheiro e pagam impostos sobre elas. Ao final, portanto, quase metade do salário mínimo vira imposto antes do final do mês em que ele foi pago.

Tudo isso não são erros triviais de cálculo: eles são deliberados para não reajustar o salário mínimo. Mas o que a gente não pode esquecer é que, do Plano Real [1994] para cá, o principal mecanismo de redução de pobreza no Brasil tem sido o salário mínimo — e não o Bolsa Família ou qualquer outro programa de assistência. A queda da pobreza pós-Plano Real foi, em pelo menos metade dela da sua dimensão, derivada do aumento do salário mínimo e, de lá para cá, vem sendo assim. Isso é algo fundamental de se entender nesse debate.

BBC News Brasil – A limitação do reajuste, portanto, vai impactar na desigualdade.

Medeiros – Se vamos limitar os aumentos do salário mínimo — o que não está fora da mesa de discussão —, temos que fazer isso sabendo que se trata de uma decisão que significa parar de reduzir pobreza e desigualdade. Se está escolhendo fazer esse ajuste pelo lado dos mais pobres, o que é imoral, e não fazê-lo pelo lado dos mais ricos, mexendo nas vantagens tributárias, o que, obviamente, é moralmente aceitável.

Agora, por que isso está sendo feito assim? Por uma série de razões, mas parte delas é porque o Congresso atua como trava para fazer o reajuste no lado dos mais ricos. Ao fazer isso, ele atua como sindicato dos ricos. Isso é péssimo para a economia do país.

BBC News Brasil – O salário mínimo tem peso maior na conjuntura brasileira, considerando que ele também nivela os salários de quem está na informalidade?

Medeiros – Sim, porque afeta muita gente. No caso dos informais, ele serve como referência. Mas não só: afeta também quem presta serviços para os mais pobres, porque quando o salário mínimo aumenta, cresce também o consumo desses serviços: quem planta comida para vender ao pobre, quem pinta a parede do pobre, etc.

BBC News Brasil – Mas de que pobres estamos falando, já que há toda uma categoria de “não pobres” na literatura sociológica para se referir à população que é vulnerável, no sentido de estar a uma demissão da pobreza, por exemplo?

Medeiros – A grande massa da população brasileira ganha um salário mínimo por mês. “Não pobres” são pessoas muito parecidas aos “pobres”, porque ganham algo em torno disso também. A massa dos benefícios previdenciários, da mesma forma, é composta por um salário mínimo. Ou seja, o grosso da população é afetado por esses reajustes. É por isso que, politicamente, trata-se de um grande erro restringir aumentos do salário mínimo ao invés de se pagar o preço político de fazer o ajuste entre os mais ricos.

BBC News Brasil – Há um argumento comum de que, se um país cresce e o governo possui mecanismos de distribuição justa da renda, a desigualdade cai ou se estabiliza. Mas, em 2024, o Índice de Gini do Brasil foi bastante irregular: subiu do primeiro trimestre para o segundo e, então, caiu no terceiro. Isso tudo em uma economia que está indo bem…

Medeiros – [Interrompe] … Dizer que a economia está indo bem faz pouco sentido. O PIB, em uma economia de propriedade privada, não é apropriado pelo país. Alguém se apropria disso. A economia pode estar indo muito bem para os ricos e muito mal para os pobres ou vice-versa. São duas coisas completamente diferentes e que podem coexistir dentro da mesma taxa de crescimento. A pergunta a se fazer é: quem está ganhando? Quem está preocupado com desigualdade não olha para a taxa total do crescimento, mas para a distribuição desse crescimento.

BBC News Brasil – A explicação para esse fenômeno do Gini é que a economia dos mais pobres não está crescendo?

Medeiros – O grande determinante do desempenho do mercado de trabalho dos mais pobres é justamente o salário mínimo. Não é o único, obviamente, mas ele é muito importante. A economia brasileira pode crescer, por exemplo, caso o câmbio alto torne a venda da nossa soja mais favorável, mas isso teria pouco efeito distributivo, porque soja não gera emprego, mobiliza pouca gente, etc.

A mesma coisa com petróleo: supondo que ele suba de valor no mercado internacional e faça nosso PIB crescer, porque o vendemos. Pouca gente seria beneficiada, especialmente porque o petróleo não é tributado como deveria. Seria benéfico se ele estivesse pagando impostos sem subsídios, mas como a gente faz essas renúncias, a alta no preço dele, ainda que faça o PIB crescer, não se transforma em estabilidade econômica.

BBC News Brasil – Outra análise sua é que a riqueza dos 0,5% no topo da pirâmide social é muito distante da do resto do país. Essa distância impede qualquer efeito, de qualquer mecanismo, sobre a desigualdade?

Medeiros – Não. Precisaríamos apenas explorar mecanismos técnicos e econômicos que permitiriam fazer isso. O que impede são barreiras de natureza política, porque esses grupos não aceitariam. Eles usariam todos os mecanismos disponíveis para evitar que isso fosse mudado. É assim na própria história humana, não só no Brasil. Essas pessoas tentam derrubar governos, subornar parlamentos, várias coisas. E é claro que elas tomariam medidas radicais para garantir suas vantagens.

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Como a alta dos juros impacta o seu bolso

O Banco Central elevou as taxas básicas de juros da economia brasileira — e ainda sinalizou que poderá continuar subindo as taxas nas duas próximas reuniões, que serão realizadas nos primeiros meses de 2025.

Na quarta-feira (11/12), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que é quem decide sobre os juros brasileiros, decidiu elevar a taxa básica Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano.

O ritmo da aceleração chamou atenção: em 18 de setembro, o Copom promoveu a primeira elevação da Selic em dois anos: uma subida de 0,25%, para 10,75%. Na reunião seguinte, no mês passado, a alta foi de 0,5%. Agora, o Copom subiu a taxa em 1%.

A decisão foi tomada com o objetivo de manter a inflação brasileira próxima da meta de 3%. A última medição do IPCA (o índice usado pelo governo), mostra que a inflação estava em 4,87% nos 12 meses até novembro.

Uma combinação de fatores — a economia brasileira aquecida, o baixo desemprego e dúvidas sobre a trajetória da dívida pública e sobre a capacidade do governo de equilibrar as contas com seu pacote fiscal recentemente anunciado — leva alguns no mercado a especular que a inflação brasileira pode subir ainda mais nos próximos meses.

O comunicado do Copom cita a preocupação das autoridades monetárias brasileiras com o risco de alta da inflação: “A inflação cheia e as medidas subjacentes têm se situado acima da meta para a inflação e apresentaram elevação nas divulgações mais recentes”.

Essa foi a última reunião chefiada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central indicado por Jair Bolsonaro. No próximo ano, quem assume o cargo é Gabriel Galípolo, economista indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O que a alta do juro significa para o bolso dos brasileiros?

O que isso significa para os brasileiros?

Antes mesmo de os juros subirem, muitos brasileiros podem estar sentindo que já estão empobrecendo.

Isso acontece como consequência da inflação. Os preços gerais da economia subiram 4,87%, mas muitos trabalhadores não tiveram ganhos a essa altura.

Alimentos — um item que pesa bastante no orçamento de todas as famílias — é um dos que mais sofreu aumentos. O preço da carne, por exemplo, subiu 7,54%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) entre outubro e novembro.

Alimentos é um dos itens com maior inflação no Brasil

A alta dos juros consegue mudar essa situação? Em geral, sim.

Juros mais altos costumam ser usados por autoridades monetárias como ferramenta para baixar a inflação. A ideia é que juros altos encarecem o custo de se tomar empréstimos — e isso tem um efeito colateral de conter altas de preço na economia.

A inflação é contida, mas existe um preço a se pagar: juros mais altos afetam também o ritmo do crescimento da economia.

“A parte ruim é que ao se aumentar a taxa de juro, cai o ritmo da economia. Isso vai afetar mercado de trabalho e aumentar a taxa de desemprego. Esse é o impacto de uma política monetária mais apertada”, diz o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners, empresa de serviços financeiros que trabalha também com gestão de patrimônio.

Como consequência, pode haver um aumento no desemprego — que hoje no Brasil está em um patamar de 7,5%, o menor desde fevereiro de 2015.

No entanto, as autoridades monetárias precisam escolher entre dois males: um desemprego maior ou uma inflação maior.

“Juros altos são um remédio duro. Mas deixar a inflação fora de controle é muito pior. Sabemos isso por experiência própria. O Brasil já sofreu muito com inflação alta”, diz o economista Victor Gomes, professor da Universidade de Brasília (UnB).

“E lembrando que essa inflação alta atrapalha demais o investimento, porque você não consegue prever como vai ser a demanda no futuro. Não é apenas o impacto orçamentário nas famílias.”

Como o juro mais alto afeta poupança e investimentos?

O juro alto pode ter o efeito de aumentar ainda mais o desequilíbrio entre ricos e pobres, segundo os economistas.

Isso acontece porque os pobres não têm acesso a ferramentas e investimentos que protegem seu dinheiro da inflação. Os que não têm contas bancárias, e mantém dinheiro em espécie, vêem seu patrimônio desvalorizar — além de ver seus salários corroídos.

Para as camadas que dependem do salário mínimo, o governo tem prometido aumentos acima da inflação. Em janeiro de 2024, o salário mínimo subiu 6,7%. Para o próximo ano, acredita-se que ele deva subir 2,5% acima da inflação.

Os economistas dizem que muitos nas camadas mais pobres da população que têm conta bancária costumam deixar o seu dinheiro em cadernetas de poupança.

“A inflação é muito mais perversa para a camada mais pobre, que costuma deixar o dinheiro na poupança, quando tem algum. Os mais pobres não têm acesso a nenhum tipo melhor de proteção contra a inflação”, explica Leal.

As cadernetas de poupança não são consideradas bons investimentos, neste momento, por causa da forma como são calculados os seus ganhos.

Quando a Selic supera os 8,5%, a remuneração da poupança é limitada a 0,5% ao mês, ou 6,17% ao ano, mais a variação de outra taxa, conhecida como taxa referencial.

Na prática, isso significa que a taxa de poupança está pagando pouco menos de 7% de juros ao ano. Isso seria suficiente para proteger o poupador da inflação (que está em 4,87% ao ano neste momento), mas com ganho real de cerca de 3%.

Os economistas dizem que as pessoas mais ricas — e mesmo na classe média — têm acesso a ganhos muito maiores do que isso. Um investimento considerado seguro — o Tesouro Direto Prefixado 2027, título do governo federal que é oferecido por alguns bancos e corretoras — estava pagando juros de 14,56% ao ano na manhã desta quinta-feira (12/12).

Isso representa um ganho real de quase 10% acima da inflação atual.

Ou seja, em um cenário de juros altos, pessoas mais ricas tendem a ter ganhos ainda maiores do que os mais pobres — mesmo que todos consigam proteger seu patrimônio da inflação.

O mercado brasileiro de renda fixa tem vivido um momento de euforia com os juros altos deste ano. Hoje é possível conseguir investimentos que pagam por ano juro de 6% a 7% mais a inflação do ano — os chamados títulos IPCA+.

Juros nesse patamar podem ser contratados para longos prazos, como 2035 e 2045. Essa oportunidade é considerada rara para quem tem dinheiro sobrando — e só existe por causa do momento de inflação e juros altos no Brasil.

“Não existe investimento produtivo que bata IPCA +7%”, diz Leal.

“Só se viu esse nível de taxa de juro real em história recente durante o governo Dilma Rousseff, próximo do impeachment, e em um período curto do governo de Michel Temer.”

Entre os prejudicados por juros altos estão pessoas e empresas que dependem de empréstimos bancários para seus negócios ou vida pessoal.

“Quando o juro sobe, você pune mais as pessoas que estão usando os instrumentos financeiros [tomando empréstimos] e premia quem está poupando. Ela pode migrar da poupança para investimentos atrelados a títulos públicos”, diz Gomes.

O juro alto também pode ter efeito negativo para empresas.

“O pessoal que negocia papel na bolsa costuma ficar muito chateado quando o juro sobe, porque você acaba premiando muito mais a renda fixa, e não a renda variável [o mercado de ações]”, explica o economista da UnB.

Com possibilidade de ganhos de 14% na renda fixa, muitos investidores vendem seus papéis em bolsa para colocar em títulos públicos, que possuem riscos menores do que ações de empresas. Com isso, os valores de mercado das empresas listadas cai. Além disso, essas empresas vêem sua produção encarecer, com o custo de empréstimos também aumentando.

Todo esse ciclo afeta o crescimento econômico e o emprego — mas beneficia também que os preços gerais da economia fiquem sob controle.

E o dólar?

Outro efeito colateral do aumento dos juros é que o dólar fica “mais bem comportado”, segundo o economista da G5 Partners.

“O dólar já está caindo e isso é reflexo da reunião de ontem (quarta-feira). Com juro maior, existe também uma maior entrada de investidores estrangeiro para aproveitar esses juros mais altos. Assim fica menos atraente comprar dólar para se especular”, diz Leal.

“O dólar deixa de ser investimento rentável. Você ganha muito mais seu dinheiro em um CDI (investimento de renda fixa), com 14,25%, do que apostar na alta do dólar.”

Outro efeito positivo da queda do dólar é que a cotação mais baixa da moeda americana contribui também para baixar a inflação — já que produtos e insumos importados também ficam mais baratos em reais.

Mas há riscos embutidos, alerta Victor Gomes, da UnB.

“O Brasil está inserindo no mundo. Antigamente, após a crise [financeira mundial] de 2008, nós tivemos uma década de juro muito baixo na economia americana. E não é esse hoje o cenário. Você tem juros lá fora na casa dos 4%. Então está sobrando menos dinheiro para mercados emergentes”, afirma Gomes.

Com juros mais altos nos EUA — e também na Europa — muitos investidores preferem investir em renda fixa atrelada ao dólar e euro (consideradas moedas menos arriscadas que o real). Isso faz com que dinheiro saia do Brasil para esses mercados, o que provoca a desvalorização do real.

Isso explica, em parte, segundo os economistas, porque o dólar tem subido tanto no Brasil neste ano — além dos fatores domésticos da economia brasileira, como juros, inflação e política fiscal do governo. Desde o começo do ano, quando estava cotado a R$ 4,85, o dólar já se valorizou quase 20% em relação ao real.

E a perspectiva, segundo Gomes, é que isso possa piorar durante o governo de Donald Trump, que começa no próximo mês, já que há sinais de que suas políticas possam vir a fortalecer a moeda americana.

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Anteprojeto traz mais segurança nas ações trabalhistas, diz ministro do TST

Com o objetivo de oferecer mais segurança jurídica, o Anteprojeto do Código de Processo do Trabalho (CPT) chegou às mãos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), após quatro anos de trabalho da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT). A comissão formada pelo ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), presidente do colegiado, identificou lacunas preenchidas atualmente com interpretações do Código de Processo Civil (CPC) na parte processual da Consolidação das leis do Trabalho (CLT). No Brasil, ainda não há Código de Processo do Trabalho para tratar desses dispositivos.

O ministro do TST recebeu o Correio para falar sobre o assunto. A seguir, trechos da entrevista:

Por que é necessário termos o Anteprojeto de Código de Processo do Trabalho e como isso impacta na vida das pessoas?

O impacto não é apenas para o trabalhador, mas também é para a vida do empresário e da sociedade. Temos o Código Civil, que enuncia os direitos e deveres que os sujeitos das relações jurídicas têm em sociedade, nos mais diversos campos: da economia, da família, das sucessões, e outros. E, além dele, existe o Código de Processo Civil — que regula como estar em juízo, como postular em juízo, tanto o direito de postulação como o direito de defesa, sentença, etc. No caso trabalhista, nós temos a CLT (Consolidação de Leis do Trabalho, de 1943). Nela, temos a parte dos direitos e deveres de empregados e empregadores, e também uma parte destinada, pequena, ao processo do trabalho, ou seja, como esses direitos devem ser postulados em juízo e como os empregadores devem se defender de juízo. Como são poucos os artigos, como é uma CLT e não um Código de Processo do Trabalho, o que acontece é que a lei determina que, na omissão da CLT em relação ao processo, deve ser aplicado, então, o Código de Processo Civil.

Isso significa que…

Cada juiz, a partir do momento em que se determina que a aplicação é subsidiária e que deve se aplicar o Código de Processo Civil aplica à sua maneira; a própria CLT à sua maneira. Então, ele faz uma mistura de ambos à sua maneira, e isso não é bom. Nem para os empresários, nem para os trabalhadores e nem para a sociedade, pois causa insegurança. Por outro lado, o processo do trabalho tem características muito especiais, ou seja, além da quantidade de demandas que nós temos na Justiça do trabalho, em razão da quantidade de trabalhadores, dos diversos litígios que podem ocorrer nas relações de trabalho, tanto litígios individuais como litígios de natureza coletiva. Os modelos do Processo Civil não servem. É uma camisa que não serve para vestir no processo do trabalho.

O que é necessário agora?

Nós precisamos de soluções próprias. Quando eu era presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT), durante a pandemia de covid-19, formei uma comissão para estudar a possibilidade de um Anteprojeto de Código de Processo do Trabalho, e compus uma comissão mista com advogados, procuradores do trabalho, juízes, desembargadores, ministros. Esse trabalho durou quatro anos, e está publicado. O Anteprojeto de Código do Processo do Trabalho tem várias soluções que se destinam à aplicação da lei trabalhista.

É um trabalho de aperfeiçoamento, certo?

Sim. São inúmeras situações na execução que são absolutamente específicas do processo do trabalho que não encontramos solução no Código de Processo Civil, e não é o caso de se inventar, mas, sim, de se regular para que todo mundo possa ter segurança. Trata-se de uma regulação específica para o processo do trabalho, com 991 artigos propostos.

O senhor acredita na boa aceitação desse anteprojeto no Congresso?

Acredito, sim. Ele regula o processo do trabalho, ponto. Apenas isso. O anteprojeto não tem tendências, regula da melhor forma possível, com a simplicidade característica do processo do trabalho, a rapidez característica do processo do trabalho e com segurança, que é o que estamos precisando nessas relações de natureza processual. Durou quatro anos para elaboração. Agora, quanto tempo irá tramitar no poder Legislativo, não sabemos.

O senhor acredita que a reforma trabalhista de 2017 ajudou ou atrapalhou a Justiça do trabalho?

Não é questão de ajudar nem atrapalhar. Eu penso que a reforma trabalhista foi uma reforma feita para dar maior segurança, mas que deveria ter ouvido mais o trabalhador, mais o Ministério Público, mais o Poder Judiciário. Acho que deveria ouvir mais os outros setores. Ou seja, o setor empresarial nessa reforma foi privilegiado. O equilíbrio é sempre mais interessante. Tanto assim que há inúmeras questões que estão sendo levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF). É sinal de que houve um exagero. E esse exagero está sendo podado.

Seria o caso, então, de pensar em mais uma reforma trabalhista?

Sim. Inclusive, porque de lá para cá, várias situações em termos tecnológicos ocorreram. Precisamos de normas destinadas à proteção em relação à automação, que está na Constituição, essa necessidade, mas até hoje a norma não foi regulamentada não apenas para a proteção contra a inteligência artificial — que não é só em relação ao trabalhador — mas em relação à sociedade. Por outro lado, contra os dados que são recolhidos e o tratamento que deve ser dado em relação aos dados recolhidos do trabalhador em especial. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) tem um tratamento genérico sobre o assunto, é preciso que se tenha um tratamento específico sobre o assunto em relação ao trabalhador.

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Conselho de Política Energética do governo se reúne hoje para decidir o futuro da usina de Angra 3

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) se reúne nesta terça-feira para decidir o futuro de Angra 3, a terceira usina nuclear do país, em construção há 40 anos no complexo localizado à beira-mar no litoral sul do Rio. O órgão capitaneado pela pasta e que conta com representantes de diversos ministérios.

O ministro Alexandre Silveira já se declarou favorável à continuidade do empreendimento. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entregou no início do mês à Eletronuclear os estudos referentes à estruturação do modelo técnico, jurídico e financeiro da retomada do projeto.

O BNDES foi contratado pela Eletronuclear em 2019 para realizar o trabalho, que contou com a participação de mais de 50 consultores de nove empresas e teve sua primeira entrega realizada em novembro de 2022, quando os estudos foram submetidos à análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Após intenso processo de discussões junto à unidade técnica do Tribunal para promover aprimoramentos da modelagem, o TCU concluiu sua análise em abril de 2024.

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Especialistas

Para especialistas, a retomada do projeto —que exigirá um aporte de mais R$ 30 bilhões aproximadamente— é oportuna, porque a energia nuclear é uma fonte de baixa emissão de gases do efeito estufa (GEEs). Outro argumento em prol da construção é o fato de se tratar de uma fonte firme de energia, no momento em que as fontes intermitentes (eólica e solar) ganham espaço na matriz elétrica.

O ministro Silveira tem sido um defensor da conclusão da usina, destacando que ela terá um papel relevante na transição energética brasileira.

Para Aquilino Senra, professor da Coppe, o instituto de pós-graduação em engenharia da UFRJ, seria “descabido” não concluir as obras de Angra 3. Do ponto de vista econômico-financeiro, a conclusão recuperaria parte dos investimentos e, do ponto de vista da política energética, é uma fonte permanente.

— Não fazer é jogar dinheiro pela janela, é irrecuperável. Em fazendo, se recupera boa parte — afirmou Senra, que foi presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). — O Brasil está entrando num programa de transição energética, que troca fontes que emitem gases, como carvão e gás natural, por fontes renováveis, e aquelas que não emitem. No caso, a nuclear não emite (GEEs).

Impacto no setor

De acordo com Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), além de não emitir GEEs, a fonte nuclear ainda permite preservar os reservatórios das hidrelétricas, num contexto de menos chuvas por causa das mudanças climáticas.

O abandono de Angra 3 também poderia inviabilizar a Eletronuclear, prejudicando toda a cadeia do setor no país, como a fabricação de medicamentos que usam radioatividade, os radiofármacos.

— Tecnicamente, o projeto está mais do que defendido. A discussão é política — disse Cunha.

Para tirar o projeto do papel, será preciso aprovar novas diretrizes para o preço da eletricidade gerada por Angra 3, um dos objetos de decisão do CNPE — a tarifa é cobrada das transmissoras e distribuidoras que levam a produção da usina para o sistema elétrico nacional.

Uma resolução de 2021 do CNPE, ainda do governo Jair Bolsonaro, estabeleceu que a nova tarifa deveria ser definida com base num estudo de viabilidade econômico-financeira a cargo do BNDES, que desde 2019 trabalha no tema.

O estudo do banco, entregue no início de setembro, estimou uma tarifa de R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh). Segundo a Eletronuclear, o preço está condizente com a geração térmica no país. Com base nesse valor, o BNDES estimou que o projeto ficaria viável para a finalização das obras.

O investimento em obras foi calculado em R$ 23 bilhões, mas chega a R$ 30 bilhões para incluir a reestruturação de dívidas e correções monetárias. O endividamento total da Eletronuclear era de R$ 6,8 bilhões no fim de 2023, segundo o balanço financeiro da estatal.

— O estudo do BNDES fala de uma captação de quase R$ 30 bilhões, porque é com juros e correção monetária —afirmou Raul Lycurgo, presidente da Eletronuclear, estatal que opera as usinas nucleares.

A empresa espera a decisão do CNPE no próximo mês, para retomar as obras até a virada de 2025 para 2026. Os próximos passos seriam a elaboração do edital e a licitação internacional para contratar construtoras especializadas. A usina ficaria pronta na virada de 2030 para 2031.

Angra 3 começou a ser construída na década de 1980. O projeto teve atrasos sucessivos, com crises econômicas e escândalos de corrupção, como os revelados pela Lava-Jato.

Os sucessivos atrasos provocaram situações inusitadas, como a manutenção de maquinário comprado na década de 1980. Para evitar a deterioração, os equipamentos são embalados a vácuo, passando por um processo periódico de lubrificação — segundo a Eletronuclear, parado, o canteiro de obras de Angra 3 custa em torno de R$ 1 bilhão por ano.

O estudo do BNDES também calculou em R$ 21 bilhões as perdas caso o governo desista do projeto. O cálculo inclui o que foi gasto em obras após 2010 (R$ 12 bilhões) e a quitação das dívidas — BNDES e Caixa são os principais credores — além de multas de contratos vigentes com fornecedores. Até agora, 67% da usina já foi construída, em termos de progresso físico.

Dos R$ 21 bilhões, R$ 14 bilhões teriam que ser desembolsados no curto prazo, disse Lycurgo. Por isso, a Eletronuclear tem pressa na decisão do CNPE. Segundo Lycurgo, a estatal não tem caixa para fazer frente aos custos de desistência, e teria que ser socorrida pelo Tesouro para abandonar o projeto.

Por outro lado, a maior parte dos cerca de R$ 30 bilhões para a finalização viria de financiamento privado. Menos de 10% viriam dos sócios da Eletronuclear (União e Eletrobras, privatizada em 2022). Para os cofres públicos, a conta ficaria em R$ 1,6 bilhão, segundo Lycurgo.

Tarifa elevada

Críticos do projeto chamam a atenção para o fato de que, na solução apresentada, ainda que diluído num prazo longuíssimo, o custo será pago por todos os consumidores, na conta de luz.

Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria, acha que seria mais transparente o Tesouro arcar com os custos para cobrir as perdas e privatizar a Eletronuclear. Essa hipótese, porém, exigiria uma emenda à Constituição, que atualmente veda a participação privada na geração nuclear.

Para Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a tarifa ficaria alta demais:

— A usina contribuirá muito pouco e custará muito caro. Só os custos adicionais seriam muito maiores do que se a energia equivalente fosse comprada de eólica ou solar.

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Conselho de Política Energética do governo se reúne hoje para decidir o futuro da usina de Angra 3

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) se reúne nesta terça-feira para decidir o futuro de Angra 3, a terceira usina nuclear do país, em construção há 40 anos no complexo localizado à beira-mar no litoral sul do Rio. O órgão capitaneado pela pasta e que conta com representantes de diversos ministérios.

O ministro Alexandre Silveira já se declarou favorável à continuidade do empreendimento. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entregou no início do mês à Eletronuclear os estudos referentes à estruturação do modelo técnico, jurídico e financeiro da retomada do projeto.

O BNDES foi contratado pela Eletronuclear em 2019 para realizar o trabalho, que contou com a participação de mais de 50 consultores de nove empresas e teve sua primeira entrega realizada em novembro de 2022, quando os estudos foram submetidos à análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Após intenso processo de discussões junto à unidade técnica do Tribunal para promover aprimoramentos da modelagem, o TCU concluiu sua análise em abril de 2024.

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No processo, o BNDES realizou estudo de impacto socioambiental e diligência técnico-operacional (engenharia) para atestar que os equipamentos têm condições de operar, tendo em vista a paralisação das obras da usina.

Especialistas

Para especialistas, a retomada do projeto —que exigirá um aporte de mais R$ 30 bilhões aproximadamente— é oportuna, porque a energia nuclear é uma fonte de baixa emissão de gases do efeito estufa (GEEs). Outro argumento em prol da construção é o fato de se tratar de uma fonte firme de energia, no momento em que as fontes intermitentes (eólica e solar) ganham espaço na matriz elétrica.

O ministro Silveira tem sido um defensor da conclusão da usina, destacando que ela terá um papel relevante na transição energética brasileira.

Para Aquilino Senra, professor da Coppe, o instituto de pós-graduação em engenharia da UFRJ, seria “descabido” não concluir as obras de Angra 3. Do ponto de vista econômico-financeiro, a conclusão recuperaria parte dos investimentos e, do ponto de vista da política energética, é uma fonte permanente.

— Não fazer é jogar dinheiro pela janela, é irrecuperável. Em fazendo, se recupera boa parte — afirmou Senra, que foi presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). — O Brasil está entrando num programa de transição energética, que troca fontes que emitem gases, como carvão e gás natural, por fontes renováveis, e aquelas que não emitem. No caso, a nuclear não emite (GEEs).

Impacto no setor

De acordo com Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), além de não emitir GEEs, a fonte nuclear ainda permite preservar os reservatórios das hidrelétricas, num contexto de menos chuvas por causa das mudanças climáticas.

O abandono de Angra 3 também poderia inviabilizar a Eletronuclear, prejudicando toda a cadeia do setor no país, como a fabricação de medicamentos que usam radioatividade, os radiofármacos.

— Tecnicamente, o projeto está mais do que defendido. A discussão é política — disse Cunha.

Para tirar o projeto do papel, será preciso aprovar novas diretrizes para o preço da eletricidade gerada por Angra 3, um dos objetos de decisão do CNPE — a tarifa é cobrada das transmissoras e distribuidoras que levam a produção da usina para o sistema elétrico nacional.

Uma resolução de 2021 do CNPE, ainda do governo Jair Bolsonaro, estabeleceu que a nova tarifa deveria ser definida com base num estudo de viabilidade econômico-financeira a cargo do BNDES, que desde 2019 trabalha no tema.

O estudo do banco, entregue no início de setembro, estimou uma tarifa de R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh). Segundo a Eletronuclear, o preço está condizente com a geração térmica no país. Com base nesse valor, o BNDES estimou que o projeto ficaria viável para a finalização das obras.

O investimento em obras foi calculado em R$ 23 bilhões, mas chega a R$ 30 bilhões para incluir a reestruturação de dívidas e correções monetárias. O endividamento total da Eletronuclear era de R$ 6,8 bilhões no fim de 2023, segundo o balanço financeiro da estatal.

— O estudo do BNDES fala de uma captação de quase R$ 30 bilhões, porque é com juros e correção monetária —afirmou Raul Lycurgo, presidente da Eletronuclear, estatal que opera as usinas nucleares.

A empresa espera a decisão do CNPE no próximo mês, para retomar as obras até a virada de 2025 para 2026. Os próximos passos seriam a elaboração do edital e a licitação internacional para contratar construtoras especializadas. A usina ficaria pronta na virada de 2030 para 2031.

Angra 3 começou a ser construída na década de 1980. O projeto teve atrasos sucessivos, com crises econômicas e escândalos de corrupção, como os revelados pela Lava-Jato.

Os sucessivos atrasos provocaram situações inusitadas, como a manutenção de maquinário comprado na década de 1980. Para evitar a deterioração, os equipamentos são embalados a vácuo, passando por um processo periódico de lubrificação — segundo a Eletronuclear, parado, o canteiro de obras de Angra 3 custa em torno de R$ 1 bilhão por ano.

O estudo do BNDES também calculou em R$ 21 bilhões as perdas caso o governo desista do projeto. O cálculo inclui o que foi gasto em obras após 2010 (R$ 12 bilhões) e a quitação das dívidas — BNDES e Caixa são os principais credores — além de multas de contratos vigentes com fornecedores. Até agora, 67% da usina já foi construída, em termos de progresso físico.

Dos R$ 21 bilhões, R$ 14 bilhões teriam que ser desembolsados no curto prazo, disse Lycurgo. Por isso, a Eletronuclear tem pressa na decisão do CNPE. Segundo Lycurgo, a estatal não tem caixa para fazer frente aos custos de desistência, e teria que ser socorrida pelo Tesouro para abandonar o projeto.

Por outro lado, a maior parte dos cerca de R$ 30 bilhões para a finalização viria de financiamento privado. Menos de 10% viriam dos sócios da Eletronuclear (União e Eletrobras, privatizada em 2022). Para os cofres públicos, a conta ficaria em R$ 1,6 bilhão, segundo Lycurgo.

Tarifa elevada

Críticos do projeto chamam a atenção para o fato de que, na solução apresentada, ainda que diluído num prazo longuíssimo, o custo será pago por todos os consumidores, na conta de luz.

Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria, acha que seria mais transparente o Tesouro arcar com os custos para cobrir as perdas e privatizar a Eletronuclear. Essa hipótese, porém, exigiria uma emenda à Constituição, que atualmente veda a participação privada na geração nuclear.

Para Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a tarifa ficaria alta demais:

— A usina contribuirá muito pouco e custará muito caro. Só os custos adicionais seriam muito maiores do que se a energia equivalente fosse comprada de eólica ou solar.

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Empresas que nasceram virtuais na pandemia estão migrando para o espaço físico

O e-commerce tem registrado um crescimento acelerado nos últimos anos, impulsionado pela praticidade de acesso e pela conveniência de realizar compras a qualquer hora e lugar. No entanto, um movimento tem ganhado força: marcas originalmente digitais estão se expandindo para o mundo físico.

Essa tendência é global. Segundo uma pesquisa do Shopify, baseada em dados da National Retail Federation (a associação de varejo dos Estados Unidos), os shoppings estão recuperando espaço no pós-pandemia, atraindo consumidores da Geração Z, que buscam conectar as experiências on-line às do mundo real. O estudo revela que 80% do volume de vendas no varejo global ocorre no ambiente físico.

As lojas físicas proporcionam uma experiência de compra mais completa, permitindo que os consumidores interajam diretamente com os produtos recebam um atendimento mais personalizado. Além disso, esses espaços funcionam como uma ferramenta de fortalecimento da marca, criando ambientes imersivos que refletem a essência do negócio e estabelecem conexões mais profundas com o público.

Dados da empresa de pesquisa de mercado CX Trends apontam que cerca de 62% dos consumidores acham que as empresas poderiam fazer um trabalho melhor adaptando suas experiências. Eles querem que as empresas entendam suas necessidades e preferências e adaptem a experiência de compra a essas necessidades.

Para o fundador e presidente da Cherto Consultoria e um dos pioneiros do franchising no Brasil, Marcelo Cherto, muitos consumidores ainda preferem ver, tocar e experimentar os produtos antes de comprar. “Isso faz com que a loja física tenha uma preferência, pois ela permite essa interação, o que tende a aumentar a confiança do consumidor ao fazer uma compra”, disse. “Dependendo da sua experiência, essa compra pode até ser repetida pelo canal digital, quando se tratar do mesmo produto, ou de um produto basicamente igual”, ressaltou.

Uma segunda vantagem, de acordo com Cherto, é o fortalecimento da marca. “A presença física num shopping ou numa rua de comércio tende a reforçar a visibilidade e a credibilidade da marca, criando maior consciência e, portanto, maior confiança entre os consumidores. Cada loja funciona como uma espécie de outdoor vivo, além de funcionar como um espaço de experiência”, explicou.

Pesquisa feita pelo Conselho Internacional de Shopping Centers (ISC, na sigla em inglês), do Canadá, aponta que a abertura de uma nova loja física leva a um aumento médio de 37% no tráfego geral no website da marca. Segundo o administrador e consultor financeiro Jamberly Mattos, o varejo precisa aderir ao chamado OmniChanel, que significa chegar ao consumidor por todos os canais possíveis. “A empresa tem que ter a loja físicas, o e-commerce, o delivery, o take-out (Pague e Retire). Alguns supermercados aqui no Brasil já têm as chamadas DarkStores, ou seja, lojas para atender delivery e retiradas”, explicou.

“Por outro lado, o que foi percebido no pós-pandemia e com a Geração Z, é que as pessoas gostam da experiência, ou seja, muitas vezes elas vão nas lojas físicas para experimentar, conhecer o produto e, depois, até mesmo compram pelo canal on-line. Muitos lojistas relataram que o consumidor vai à loja e compra um produto que será entregue em casa. Ele foi atendido pela loja até o momento de finalizar a compra. Depois, ele já está sendo atendido pelo canal e-commerce”, comentou Mattos.

Já para o economista, especialista em reestruturação financeira de empresas, Luís Alberto de Paiva, o mercado não encontra limites para testar novos e velhos modelos de negócio.”Outra vertente das relações de consumo parece tentar se posicionar de maneira contrária, levando a experiência e o contato direto entre fabricante e consumidor de maneira mais calorosa e direta na comunicação, (Experience Store), trazendo a geração Z para lojas físicas”, pontuou.

“Nessa relação, o consumidor deixa o consumo através de mídias sociais e passa a consumir neste espaço de experiência. As operações on-line funcionam sempre como fidelização de produtos expostos fisicamente. O grande problema é que as lojas físicas demonstram e as lojas on-line vendem”, completou Paiva.

Exemplos recentes dessa migração incluem o Magazine Luiza, conhecido pelo seu e-commerce robusto, que recentemente anunciou a abertura de uma megaloja na Avenida Paulista, e o Enjoei, plataforma nativa digital que inaugurou três lojas físicas em 2024 com planos de expansão. Outro exemplo é o Grupo Petlove, que também investiu em lojas físicas para complementar sua operação digital.

Outra empresária que fez essa migração foi a Marianna Bezerra, fundadora da L’Avière Joias. Segundo ela, o digital foi a solução inicial para empreender durante a pandemia, enquanto trabalhava como enfermeira em UTIs. Começou vendendo joias para colegas e logo expandiu para as redes sociais. “O ambiente on-line oferecia segurança e alcance. Mas, com o crescimento das vendas, percebi que a loja física seria um diferencial para proporcionar uma experiência sensorial aos clientes”, contou.

A transição para o físico não foi fácil. Mariana enfrentou desafios como reformas e a escolha do ponto ideal. Ainda assim, a loja física se tornou um espaço para fortalecer a relação com os clientes e reforçar a essência da marca. “Hoje, tanto o on-line quanto o físico se complementam. Enquanto o digital amplia nosso alcance, o físico cria conexões mais próximas e fortalece nossa credibilidade”, afirmou.

“A principal diferença foi entender que no ambiente físico a experiência do cliente é muito mais sensorial e imediata. No on-line, precisamos usar imagens e palavras para transmitir confiança e desejo. No físico, é a atmosfera da loja, o atendimento pessoal e o contato direto com as joias que encantam. A transição foi mais fácil porque mantive meu foco na essência da marca e na relação com os clientes, seja no digital ou no presencial”, ressaltou.

A Uso Assim, uma marca pernambucana criada em 2016 por Álvaro Roberto e Laís, começou sua jornada exclusivamente on-line. “Não tínhamos recursos para abrir uma loja física na época. O digital era mais acessível e nos permitia vender sem os altos custos de um ponto comercial”, relembrou Álvaro. O Instagram e o site foram as plataformas escolhidas para dar os primeiros passos. No entanto, à medida que a marca crescia, surgiu a demanda pelo físico. O casal começou participando de feiras e eventos e logo percebeu a necessidade de expandir.

“Ao abrir nosso primeiro espaço colaborativo, foi um processo difícil. No primeiro dia, quase ninguém apareceu, mas aos poucos construímos uma base de clientes”, contou Álvaro. Em 2019, a marca inaugurou sua loja exclusiva em Recife, que permanece até hoje como um importante complemento ao negócio on-line. “A loja física permite que os clientes provem as roupas, tenham uma experiência sensorial e fortaleçam a conexão com a marca. Apesar de o site ainda ser nosso principal canal de vendas, a presença física agrega valor ao posicionamento da marca e diversifica nossas fontes de receita.”

Outra história marcante é a da ABÊ Sunglasses, marca de óculos fundada por Augusto Braz. A empresa nasceu durante a pandemia, quando Braz vendia os óculos diretamente de sua casa. “O digital democratizou o empreendedorismo. Comecei com um investimento baixo e consegui divulgar a marca pelas redes sociais. Mas percebi que meu produto exigia experimentação, algo que o on-line não oferecia”, conta.

A transição para o físico ocorreu de forma gradual, com participações em feiras e eventos. Quando decidiu abrir um espaço físico, Augusto viu sua marca ganhar ainda mais credibilidade. “Foi um divisor de águas. A loja agregou valor ao produto, proporcionou uma experiência mais completa e nos permitiu expandir para armações de grau, algo que seria difícil no ambiente digital.” Segundo ele, o espaço físico também oferece uma vantagem competitiva. “No on-line, concorro com grandes players que praticam preços baixos. No físico, consigo justificar preços mais altos ao agregar experiência e atendimento personalizado.”

No setor de moda, a NIINI, de Carol Celico, também seguiu esse caminho. A marca nasceu no digital. Carol aproveitou sua experiência com redes sociais para criar um e-commerce de sucesso. Após um ano operando exclusivamente on-line, decidiu abrir lojas físicas.

“O físico permite inserir o cliente no universo da marca. Nossa loja é projetada para estimular todos os sentidos, desde o toque dos tecidos até uma fragrância exclusiva”, explicou Carol. Hoje, a NIINI possui duas lojas em São Paulo, que ajudaram a fidelizar clientes e fortalecer o branding. “A experiência física impulsionou tanto as vendas quanto a comunicação da marca, apresentando a NIINI como um verdadeiro lifestyle.”

Janayna Rosa Gonçalves, fundadora da Jana Rosa Cosmetics, também encontrou no físico uma forma de melhorar o atendimento e oferecer um diferencial. “Minha empresa começou no digital por necessidade. Trabalhando fora, não tinha tempo para atendimento presencial. Mas percebi que queria criar um espaço onde as clientes se sentissem confortáveis e bem atendidas”, relembrou Janayna.

Abrir a loja física foi desafiador, especialmente para educar os clientes sobre a importância de agendamentos e atendimento personalizado. “No início, o faturamento caiu porque não estávamos alimentando o site como antes. Mas, com o tempo, as clientes se adaptaram, e hoje quase não temos horários disponíveis para o presencial”, comemorou.

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Empresas que nasceram virtuais na pandemia estão migrando para o espaço físico

O e-commerce tem registrado um crescimento acelerado nos últimos anos, impulsionado pela praticidade de acesso e pela conveniência de realizar compras a qualquer hora e lugar. No entanto, um movimento tem ganhado força: marcas originalmente digitais estão se expandindo para o mundo físico.

Essa tendência é global. Segundo uma pesquisa do Shopify, baseada em dados da National Retail Federation (a associação de varejo dos Estados Unidos), os shoppings estão recuperando espaço no pós-pandemia, atraindo consumidores da Geração Z, que buscam conectar as experiências on-line às do mundo real. O estudo revela que 80% do volume de vendas no varejo global ocorre no ambiente físico.

As lojas físicas proporcionam uma experiência de compra mais completa, permitindo que os consumidores interajam diretamente com os produtos recebam um atendimento mais personalizado. Além disso, esses espaços funcionam como uma ferramenta de fortalecimento da marca, criando ambientes imersivos que refletem a essência do negócio e estabelecem conexões mais profundas com o público.

Dados da empresa de pesquisa de mercado CX Trends apontam que cerca de 62% dos consumidores acham que as empresas poderiam fazer um trabalho melhor adaptando suas experiências. Eles querem que as empresas entendam suas necessidades e preferências e adaptem a experiência de compra a essas necessidades.

Para o fundador e presidente da Cherto Consultoria e um dos pioneiros do franchising no Brasil, Marcelo Cherto, muitos consumidores ainda preferem ver, tocar e experimentar os produtos antes de comprar. “Isso faz com que a loja física tenha uma preferência, pois ela permite essa interação, o que tende a aumentar a confiança do consumidor ao fazer uma compra”, disse. “Dependendo da sua experiência, essa compra pode até ser repetida pelo canal digital, quando se tratar do mesmo produto, ou de um produto basicamente igual”, ressaltou.

Uma segunda vantagem, de acordo com Cherto, é o fortalecimento da marca. “A presença física num shopping ou numa rua de comércio tende a reforçar a visibilidade e a credibilidade da marca, criando maior consciência e, portanto, maior confiança entre os consumidores. Cada loja funciona como uma espécie de outdoor vivo, além de funcionar como um espaço de experiência”, explicou.

Pesquisa feita pelo Conselho Internacional de Shopping Centers (ISC, na sigla em inglês), do Canadá, aponta que a abertura de uma nova loja física leva a um aumento médio de 37% no tráfego geral no website da marca. Segundo o administrador e consultor financeiro Jamberly Mattos, o varejo precisa aderir ao chamado OmniChanel, que significa chegar ao consumidor por todos os canais possíveis. “A empresa tem que ter a loja físicas, o e-commerce, o delivery, o take-out (Pague e Retire). Alguns supermercados aqui no Brasil já têm as chamadas DarkStores, ou seja, lojas para atender delivery e retiradas”, explicou.

“Por outro lado, o que foi percebido no pós-pandemia e com a Geração Z, é que as pessoas gostam da experiência, ou seja, muitas vezes elas vão nas lojas físicas para experimentar, conhecer o produto e, depois, até mesmo compram pelo canal on-line. Muitos lojistas relataram que o consumidor vai à loja e compra um produto que será entregue em casa. Ele foi atendido pela loja até o momento de finalizar a compra. Depois, ele já está sendo atendido pelo canal e-commerce”, comentou Mattos.

Já para o economista, especialista em reestruturação financeira de empresas, Luís Alberto de Paiva, o mercado não encontra limites para testar novos e velhos modelos de negócio.”Outra vertente das relações de consumo parece tentar se posicionar de maneira contrária, levando a experiência e o contato direto entre fabricante e consumidor de maneira mais calorosa e direta na comunicação, (Experience Store), trazendo a geração Z para lojas físicas”, pontuou.

“Nessa relação, o consumidor deixa o consumo através de mídias sociais e passa a consumir neste espaço de experiência. As operações on-line funcionam sempre como fidelização de produtos expostos fisicamente. O grande problema é que as lojas físicas demonstram e as lojas on-line vendem”, completou Paiva.

Exemplos recentes dessa migração incluem o Magazine Luiza, conhecido pelo seu e-commerce robusto, que recentemente anunciou a abertura de uma megaloja na Avenida Paulista, e o Enjoei, plataforma nativa digital que inaugurou três lojas físicas em 2024 com planos de expansão. Outro exemplo é o Grupo Petlove, que também investiu em lojas físicas para complementar sua operação digital.

Outra empresária que fez essa migração foi a Marianna Bezerra, fundadora da L’Avière Joias. Segundo ela, o digital foi a solução inicial para empreender durante a pandemia, enquanto trabalhava como enfermeira em UTIs. Começou vendendo joias para colegas e logo expandiu para as redes sociais. “O ambiente on-line oferecia segurança e alcance. Mas, com o crescimento das vendas, percebi que a loja física seria um diferencial para proporcionar uma experiência sensorial aos clientes”, contou.

A transição para o físico não foi fácil. Mariana enfrentou desafios como reformas e a escolha do ponto ideal. Ainda assim, a loja física se tornou um espaço para fortalecer a relação com os clientes e reforçar a essência da marca. “Hoje, tanto o on-line quanto o físico se complementam. Enquanto o digital amplia nosso alcance, o físico cria conexões mais próximas e fortalece nossa credibilidade”, afirmou.

“A principal diferença foi entender que no ambiente físico a experiência do cliente é muito mais sensorial e imediata. No on-line, precisamos usar imagens e palavras para transmitir confiança e desejo. No físico, é a atmosfera da loja, o atendimento pessoal e o contato direto com as joias que encantam. A transição foi mais fácil porque mantive meu foco na essência da marca e na relação com os clientes, seja no digital ou no presencial”, ressaltou.

A Uso Assim, uma marca pernambucana criada em 2016 por Álvaro Roberto e Laís, começou sua jornada exclusivamente on-line. “Não tínhamos recursos para abrir uma loja física na época. O digital era mais acessível e nos permitia vender sem os altos custos de um ponto comercial”, relembrou Álvaro. O Instagram e o site foram as plataformas escolhidas para dar os primeiros passos. No entanto, à medida que a marca crescia, surgiu a demanda pelo físico. O casal começou participando de feiras e eventos e logo percebeu a necessidade de expandir.

“Ao abrir nosso primeiro espaço colaborativo, foi um processo difícil. No primeiro dia, quase ninguém apareceu, mas aos poucos construímos uma base de clientes”, contou Álvaro. Em 2019, a marca inaugurou sua loja exclusiva em Recife, que permanece até hoje como um importante complemento ao negócio on-line. “A loja física permite que os clientes provem as roupas, tenham uma experiência sensorial e fortaleçam a conexão com a marca. Apesar de o site ainda ser nosso principal canal de vendas, a presença física agrega valor ao posicionamento da marca e diversifica nossas fontes de receita.”

Outra história marcante é a da ABÊ Sunglasses, marca de óculos fundada por Augusto Braz. A empresa nasceu durante a pandemia, quando Braz vendia os óculos diretamente de sua casa. “O digital democratizou o empreendedorismo. Comecei com um investimento baixo e consegui divulgar a marca pelas redes sociais. Mas percebi que meu produto exigia experimentação, algo que o on-line não oferecia”, conta.

A transição para o físico ocorreu de forma gradual, com participações em feiras e eventos. Quando decidiu abrir um espaço físico, Augusto viu sua marca ganhar ainda mais credibilidade. “Foi um divisor de águas. A loja agregou valor ao produto, proporcionou uma experiência mais completa e nos permitiu expandir para armações de grau, algo que seria difícil no ambiente digital.” Segundo ele, o espaço físico também oferece uma vantagem competitiva. “No on-line, concorro com grandes players que praticam preços baixos. No físico, consigo justificar preços mais altos ao agregar experiência e atendimento personalizado.”

No setor de moda, a NIINI, de Carol Celico, também seguiu esse caminho. A marca nasceu no digital. Carol aproveitou sua experiência com redes sociais para criar um e-commerce de sucesso. Após um ano operando exclusivamente on-line, decidiu abrir lojas físicas.

“O físico permite inserir o cliente no universo da marca. Nossa loja é projetada para estimular todos os sentidos, desde o toque dos tecidos até uma fragrância exclusiva”, explicou Carol. Hoje, a NIINI possui duas lojas em São Paulo, que ajudaram a fidelizar clientes e fortalecer o branding. “A experiência física impulsionou tanto as vendas quanto a comunicação da marca, apresentando a NIINI como um verdadeiro lifestyle.”

Janayna Rosa Gonçalves, fundadora da Jana Rosa Cosmetics, também encontrou no físico uma forma de melhorar o atendimento e oferecer um diferencial. “Minha empresa começou no digital por necessidade. Trabalhando fora, não tinha tempo para atendimento presencial. Mas percebi que queria criar um espaço onde as clientes se sentissem confortáveis e bem atendidas”, relembrou Janayna.

Abrir a loja física foi desafiador, especialmente para educar os clientes sobre a importância de agendamentos e atendimento personalizado. “No início, o faturamento caiu porque não estávamos alimentando o site como antes. Mas, com o tempo, as clientes se adaptaram, e hoje quase não temos horários disponíveis para o presencial”, comemorou.

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Empresas que nasceram virtuais na pandemia estão migrando para o espaço físico

O e-commerce tem registrado um crescimento acelerado nos últimos anos, impulsionado pela praticidade de acesso e pela conveniência de realizar compras a qualquer hora e lugar. No entanto, um movimento tem ganhado força: marcas originalmente digitais estão se expandindo para o mundo físico.

Essa tendência é global. Segundo uma pesquisa do Shopify, baseada em dados da National Retail Federation (a associação de varejo dos Estados Unidos), os shoppings estão recuperando espaço no pós-pandemia, atraindo consumidores da Geração Z, que buscam conectar as experiências on-line às do mundo real. O estudo revela que 80% do volume de vendas no varejo global ocorre no ambiente físico.

As lojas físicas proporcionam uma experiência de compra mais completa, permitindo que os consumidores interajam diretamente com os produtos recebam um atendimento mais personalizado. Além disso, esses espaços funcionam como uma ferramenta de fortalecimento da marca, criando ambientes imersivos que refletem a essência do negócio e estabelecem conexões mais profundas com o público.

Dados da empresa de pesquisa de mercado CX Trends apontam que cerca de 62% dos consumidores acham que as empresas poderiam fazer um trabalho melhor adaptando suas experiências. Eles querem que as empresas entendam suas necessidades e preferências e adaptem a experiência de compra a essas necessidades.

Para o fundador e presidente da Cherto Consultoria e um dos pioneiros do franchising no Brasil, Marcelo Cherto, muitos consumidores ainda preferem ver, tocar e experimentar os produtos antes de comprar. “Isso faz com que a loja física tenha uma preferência, pois ela permite essa interação, o que tende a aumentar a confiança do consumidor ao fazer uma compra”, disse. “Dependendo da sua experiência, essa compra pode até ser repetida pelo canal digital, quando se tratar do mesmo produto, ou de um produto basicamente igual”, ressaltou.

Uma segunda vantagem, de acordo com Cherto, é o fortalecimento da marca. “A presença física num shopping ou numa rua de comércio tende a reforçar a visibilidade e a credibilidade da marca, criando maior consciência e, portanto, maior confiança entre os consumidores. Cada loja funciona como uma espécie de outdoor vivo, além de funcionar como um espaço de experiência”, explicou.

Pesquisa feita pelo Conselho Internacional de Shopping Centers (ISC, na sigla em inglês), do Canadá, aponta que a abertura de uma nova loja física leva a um aumento médio de 37% no tráfego geral no website da marca. Segundo o administrador e consultor financeiro Jamberly Mattos, o varejo precisa aderir ao chamado OmniChanel, que significa chegar ao consumidor por todos os canais possíveis. “A empresa tem que ter a loja físicas, o e-commerce, o delivery, o take-out (Pague e Retire). Alguns supermercados aqui no Brasil já têm as chamadas DarkStores, ou seja, lojas para atender delivery e retiradas”, explicou.

“Por outro lado, o que foi percebido no pós-pandemia e com a Geração Z, é que as pessoas gostam da experiência, ou seja, muitas vezes elas vão nas lojas físicas para experimentar, conhecer o produto e, depois, até mesmo compram pelo canal on-line. Muitos lojistas relataram que o consumidor vai à loja e compra um produto que será entregue em casa. Ele foi atendido pela loja até o momento de finalizar a compra. Depois, ele já está sendo atendido pelo canal e-commerce”, comentou Mattos.

Já para o economista, especialista em reestruturação financeira de empresas, Luís Alberto de Paiva, o mercado não encontra limites para testar novos e velhos modelos de negócio.”Outra vertente das relações de consumo parece tentar se posicionar de maneira contrária, levando a experiência e o contato direto entre fabricante e consumidor de maneira mais calorosa e direta na comunicação, (Experience Store), trazendo a geração Z para lojas físicas”, pontuou.

“Nessa relação, o consumidor deixa o consumo através de mídias sociais e passa a consumir neste espaço de experiência. As operações on-line funcionam sempre como fidelização de produtos expostos fisicamente. O grande problema é que as lojas físicas demonstram e as lojas on-line vendem”, completou Paiva.

Exemplos recentes dessa migração incluem o Magazine Luiza, conhecido pelo seu e-commerce robusto, que recentemente anunciou a abertura de uma megaloja na Avenida Paulista, e o Enjoei, plataforma nativa digital que inaugurou três lojas físicas em 2024 com planos de expansão. Outro exemplo é o Grupo Petlove, que também investiu em lojas físicas para complementar sua operação digital.

Outra empresária que fez essa migração foi a Marianna Bezerra, fundadora da L’Avière Joias. Segundo ela, o digital foi a solução inicial para empreender durante a pandemia, enquanto trabalhava como enfermeira em UTIs. Começou vendendo joias para colegas e logo expandiu para as redes sociais. “O ambiente on-line oferecia segurança e alcance. Mas, com o crescimento das vendas, percebi que a loja física seria um diferencial para proporcionar uma experiência sensorial aos clientes”, contou.

A transição para o físico não foi fácil. Mariana enfrentou desafios como reformas e a escolha do ponto ideal. Ainda assim, a loja física se tornou um espaço para fortalecer a relação com os clientes e reforçar a essência da marca. “Hoje, tanto o on-line quanto o físico se complementam. Enquanto o digital amplia nosso alcance, o físico cria conexões mais próximas e fortalece nossa credibilidade”, afirmou.

“A principal diferença foi entender que no ambiente físico a experiência do cliente é muito mais sensorial e imediata. No on-line, precisamos usar imagens e palavras para transmitir confiança e desejo. No físico, é a atmosfera da loja, o atendimento pessoal e o contato direto com as joias que encantam. A transição foi mais fácil porque mantive meu foco na essência da marca e na relação com os clientes, seja no digital ou no presencial”, ressaltou.

A Uso Assim, uma marca pernambucana criada em 2016 por Álvaro Roberto e Laís, começou sua jornada exclusivamente on-line. “Não tínhamos recursos para abrir uma loja física na época. O digital era mais acessível e nos permitia vender sem os altos custos de um ponto comercial”, relembrou Álvaro. O Instagram e o site foram as plataformas escolhidas para dar os primeiros passos. No entanto, à medida que a marca crescia, surgiu a demanda pelo físico. O casal começou participando de feiras e eventos e logo percebeu a necessidade de expandir.

“Ao abrir nosso primeiro espaço colaborativo, foi um processo difícil. No primeiro dia, quase ninguém apareceu, mas aos poucos construímos uma base de clientes”, contou Álvaro. Em 2019, a marca inaugurou sua loja exclusiva em Recife, que permanece até hoje como um importante complemento ao negócio on-line. “A loja física permite que os clientes provem as roupas, tenham uma experiência sensorial e fortaleçam a conexão com a marca. Apesar de o site ainda ser nosso principal canal de vendas, a presença física agrega valor ao posicionamento da marca e diversifica nossas fontes de receita.”

Outra história marcante é a da ABÊ Sunglasses, marca de óculos fundada por Augusto Braz. A empresa nasceu durante a pandemia, quando Braz vendia os óculos diretamente de sua casa. “O digital democratizou o empreendedorismo. Comecei com um investimento baixo e consegui divulgar a marca pelas redes sociais. Mas percebi que meu produto exigia experimentação, algo que o on-line não oferecia”, conta.

A transição para o físico ocorreu de forma gradual, com participações em feiras e eventos. Quando decidiu abrir um espaço físico, Augusto viu sua marca ganhar ainda mais credibilidade. “Foi um divisor de águas. A loja agregou valor ao produto, proporcionou uma experiência mais completa e nos permitiu expandir para armações de grau, algo que seria difícil no ambiente digital.” Segundo ele, o espaço físico também oferece uma vantagem competitiva. “No on-line, concorro com grandes players que praticam preços baixos. No físico, consigo justificar preços mais altos ao agregar experiência e atendimento personalizado.”

No setor de moda, a NIINI, de Carol Celico, também seguiu esse caminho. A marca nasceu no digital. Carol aproveitou sua experiência com redes sociais para criar um e-commerce de sucesso. Após um ano operando exclusivamente on-line, decidiu abrir lojas físicas.

“O físico permite inserir o cliente no universo da marca. Nossa loja é projetada para estimular todos os sentidos, desde o toque dos tecidos até uma fragrância exclusiva”, explicou Carol. Hoje, a NIINI possui duas lojas em São Paulo, que ajudaram a fidelizar clientes e fortalecer o branding. “A experiência física impulsionou tanto as vendas quanto a comunicação da marca, apresentando a NIINI como um verdadeiro lifestyle.”

Janayna Rosa Gonçalves, fundadora da Jana Rosa Cosmetics, também encontrou no físico uma forma de melhorar o atendimento e oferecer um diferencial. “Minha empresa começou no digital por necessidade. Trabalhando fora, não tinha tempo para atendimento presencial. Mas percebi que queria criar um espaço onde as clientes se sentissem confortáveis e bem atendidas”, relembrou Janayna.

Abrir a loja física foi desafiador, especialmente para educar os clientes sobre a importância de agendamentos e atendimento personalizado. “No início, o faturamento caiu porque não estávamos alimentando o site como antes. Mas, com o tempo, as clientes se adaptaram, e hoje quase não temos horários disponíveis para o presencial”, comemorou.

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Empresas que nasceram virtuais na pandemia estão migrando para o espaço físico

O e-commerce tem registrado um crescimento acelerado nos últimos anos, impulsionado pela praticidade de acesso e pela conveniência de realizar compras a qualquer hora e lugar. No entanto, um movimento tem ganhado força: marcas originalmente digitais estão se expandindo para o mundo físico.

Essa tendência é global. Segundo uma pesquisa do Shopify, baseada em dados da National Retail Federation (a associação de varejo dos Estados Unidos), os shoppings estão recuperando espaço no pós-pandemia, atraindo consumidores da Geração Z, que buscam conectar as experiências on-line às do mundo real. O estudo revela que 80% do volume de vendas no varejo global ocorre no ambiente físico.

As lojas físicas proporcionam uma experiência de compra mais completa, permitindo que os consumidores interajam diretamente com os produtos recebam um atendimento mais personalizado. Além disso, esses espaços funcionam como uma ferramenta de fortalecimento da marca, criando ambientes imersivos que refletem a essência do negócio e estabelecem conexões mais profundas com o público.

Dados da empresa de pesquisa de mercado CX Trends apontam que cerca de 62% dos consumidores acham que as empresas poderiam fazer um trabalho melhor adaptando suas experiências. Eles querem que as empresas entendam suas necessidades e preferências e adaptem a experiência de compra a essas necessidades.

Para o fundador e presidente da Cherto Consultoria e um dos pioneiros do franchising no Brasil, Marcelo Cherto, muitos consumidores ainda preferem ver, tocar e experimentar os produtos antes de comprar. “Isso faz com que a loja física tenha uma preferência, pois ela permite essa interação, o que tende a aumentar a confiança do consumidor ao fazer uma compra”, disse. “Dependendo da sua experiência, essa compra pode até ser repetida pelo canal digital, quando se tratar do mesmo produto, ou de um produto basicamente igual”, ressaltou.

Uma segunda vantagem, de acordo com Cherto, é o fortalecimento da marca. “A presença física num shopping ou numa rua de comércio tende a reforçar a visibilidade e a credibilidade da marca, criando maior consciência e, portanto, maior confiança entre os consumidores. Cada loja funciona como uma espécie de outdoor vivo, além de funcionar como um espaço de experiência”, explicou.

Pesquisa feita pelo Conselho Internacional de Shopping Centers (ISC, na sigla em inglês), do Canadá, aponta que a abertura de uma nova loja física leva a um aumento médio de 37% no tráfego geral no website da marca. Segundo o administrador e consultor financeiro Jamberly Mattos, o varejo precisa aderir ao chamado OmniChanel, que significa chegar ao consumidor por todos os canais possíveis. “A empresa tem que ter a loja físicas, o e-commerce, o delivery, o take-out (Pague e Retire). Alguns supermercados aqui no Brasil já têm as chamadas DarkStores, ou seja, lojas para atender delivery e retiradas”, explicou.

“Por outro lado, o que foi percebido no pós-pandemia e com a Geração Z, é que as pessoas gostam da experiência, ou seja, muitas vezes elas vão nas lojas físicas para experimentar, conhecer o produto e, depois, até mesmo compram pelo canal on-line. Muitos lojistas relataram que o consumidor vai à loja e compra um produto que será entregue em casa. Ele foi atendido pela loja até o momento de finalizar a compra. Depois, ele já está sendo atendido pelo canal e-commerce”, comentou Mattos.

Já para o economista, especialista em reestruturação financeira de empresas, Luís Alberto de Paiva, o mercado não encontra limites para testar novos e velhos modelos de negócio.”Outra vertente das relações de consumo parece tentar se posicionar de maneira contrária, levando a experiência e o contato direto entre fabricante e consumidor de maneira mais calorosa e direta na comunicação, (Experience Store), trazendo a geração Z para lojas físicas”, pontuou.

“Nessa relação, o consumidor deixa o consumo através de mídias sociais e passa a consumir neste espaço de experiência. As operações on-line funcionam sempre como fidelização de produtos expostos fisicamente. O grande problema é que as lojas físicas demonstram e as lojas on-line vendem”, completou Paiva.

Exemplos recentes dessa migração incluem o Magazine Luiza, conhecido pelo seu e-commerce robusto, que recentemente anunciou a abertura de uma megaloja na Avenida Paulista, e o Enjoei, plataforma nativa digital que inaugurou três lojas físicas em 2024 com planos de expansão. Outro exemplo é o Grupo Petlove, que também investiu em lojas físicas para complementar sua operação digital.

Outra empresária que fez essa migração foi a Marianna Bezerra, fundadora da L’Avière Joias. Segundo ela, o digital foi a solução inicial para empreender durante a pandemia, enquanto trabalhava como enfermeira em UTIs. Começou vendendo joias para colegas e logo expandiu para as redes sociais. “O ambiente on-line oferecia segurança e alcance. Mas, com o crescimento das vendas, percebi que a loja física seria um diferencial para proporcionar uma experiência sensorial aos clientes”, contou.

A transição para o físico não foi fácil. Mariana enfrentou desafios como reformas e a escolha do ponto ideal. Ainda assim, a loja física se tornou um espaço para fortalecer a relação com os clientes e reforçar a essência da marca. “Hoje, tanto o on-line quanto o físico se complementam. Enquanto o digital amplia nosso alcance, o físico cria conexões mais próximas e fortalece nossa credibilidade”, afirmou.

“A principal diferença foi entender que no ambiente físico a experiência do cliente é muito mais sensorial e imediata. No on-line, precisamos usar imagens e palavras para transmitir confiança e desejo. No físico, é a atmosfera da loja, o atendimento pessoal e o contato direto com as joias que encantam. A transição foi mais fácil porque mantive meu foco na essência da marca e na relação com os clientes, seja no digital ou no presencial”, ressaltou.

A Uso Assim, uma marca pernambucana criada em 2016 por Álvaro Roberto e Laís, começou sua jornada exclusivamente on-line. “Não tínhamos recursos para abrir uma loja física na época. O digital era mais acessível e nos permitia vender sem os altos custos de um ponto comercial”, relembrou Álvaro. O Instagram e o site foram as plataformas escolhidas para dar os primeiros passos. No entanto, à medida que a marca crescia, surgiu a demanda pelo físico. O casal começou participando de feiras e eventos e logo percebeu a necessidade de expandir.

“Ao abrir nosso primeiro espaço colaborativo, foi um processo difícil. No primeiro dia, quase ninguém apareceu, mas aos poucos construímos uma base de clientes”, contou Álvaro. Em 2019, a marca inaugurou sua loja exclusiva em Recife, que permanece até hoje como um importante complemento ao negócio on-line. “A loja física permite que os clientes provem as roupas, tenham uma experiência sensorial e fortaleçam a conexão com a marca. Apesar de o site ainda ser nosso principal canal de vendas, a presença física agrega valor ao posicionamento da marca e diversifica nossas fontes de receita.”

Outra história marcante é a da ABÊ Sunglasses, marca de óculos fundada por Augusto Braz. A empresa nasceu durante a pandemia, quando Braz vendia os óculos diretamente de sua casa. “O digital democratizou o empreendedorismo. Comecei com um investimento baixo e consegui divulgar a marca pelas redes sociais. Mas percebi que meu produto exigia experimentação, algo que o on-line não oferecia”, conta.

A transição para o físico ocorreu de forma gradual, com participações em feiras e eventos. Quando decidiu abrir um espaço físico, Augusto viu sua marca ganhar ainda mais credibilidade. “Foi um divisor de águas. A loja agregou valor ao produto, proporcionou uma experiência mais completa e nos permitiu expandir para armações de grau, algo que seria difícil no ambiente digital.” Segundo ele, o espaço físico também oferece uma vantagem competitiva. “No on-line, concorro com grandes players que praticam preços baixos. No físico, consigo justificar preços mais altos ao agregar experiência e atendimento personalizado.”

No setor de moda, a NIINI, de Carol Celico, também seguiu esse caminho. A marca nasceu no digital. Carol aproveitou sua experiência com redes sociais para criar um e-commerce de sucesso. Após um ano operando exclusivamente on-line, decidiu abrir lojas físicas.

“O físico permite inserir o cliente no universo da marca. Nossa loja é projetada para estimular todos os sentidos, desde o toque dos tecidos até uma fragrância exclusiva”, explicou Carol. Hoje, a NIINI possui duas lojas em São Paulo, que ajudaram a fidelizar clientes e fortalecer o branding. “A experiência física impulsionou tanto as vendas quanto a comunicação da marca, apresentando a NIINI como um verdadeiro lifestyle.”

Janayna Rosa Gonçalves, fundadora da Jana Rosa Cosmetics, também encontrou no físico uma forma de melhorar o atendimento e oferecer um diferencial. “Minha empresa começou no digital por necessidade. Trabalhando fora, não tinha tempo para atendimento presencial. Mas percebi que queria criar um espaço onde as clientes se sentissem confortáveis e bem atendidas”, relembrou Janayna.

Abrir a loja física foi desafiador, especialmente para educar os clientes sobre a importância de agendamentos e atendimento personalizado. “No início, o faturamento caiu porque não estávamos alimentando o site como antes. Mas, com o tempo, as clientes se adaptaram, e hoje quase não temos horários disponíveis para o presencial”, comemorou.

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