Com R$ 2 bilhões em dívidas, a Coteminas apresentou nesta semana à Justiça de Minas Gerais detalhes da situação financeira que levou o grupo ao processo de recuperação judicial. Os documentos mostram, além do endividamento, como escalou a disputa em torno de debêntures (títulos de dívida) que foram o estopim para a companhia pedir proteção na 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte.
O gatilho para a crise foi o pedido de vencimento antecipado de R$ 300 milhões em títulos de dívida da gestora Farallon Capital, que comprometeria o principal braço da empresa, a Ammo, segundo processo ao qual O GLOBO teve acesso. O grupo têxtil do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, fundado pelo ex-vice-presidente José Alencar, vem há anos sofrendo para equilibrar endividamento alto e queda na geração de caixa.
Na ação, os advogados dizem que o negócio, dono das marcas MMartan, Casa Moysés, Santista Artex começou a se deteriorar há mais de uma década, com “desafios de liquidez” agravados na pandemia.
A operação com a Farallon Capital tinha como garantia a totalidade das ações de emissão da Ammo, principal braço do grupo. Os problemas começaram meses depois do acordo, e envolveram a troca do presidente da empresa e “ameaças constantes” de vencimento antecipado das debêntures no último ano, afirma a Coteminas à Justiça.
A companhia diz que a permanência das ações da Ammo é “absolutamente essencial” para a manutenção das atividades da empresa, justificativa aceita pela Justiça.
Com 57 anos de história, a Coteminas afirma que os problemas no negócio começaram em 2008, quando houve redução das exportações. A companhia passou a operar com 60% de ociosidade na capacidade instalada.
A situação se agravou na pandemia, período em que a empresa teve que consumir capital de giro enquanto mantinha níveis altos de alavancagem. O endividamento geral subiu de 63,04%, em 2019, para 119,10%, em 2023. A receita bruta despencou de R$ 3 bilhões, em 2021, para cerca de R$ 1 bilhão em 2023.
Segundo o processo, a empresa estava “sob a ameaça” de uma corrida de execuções e bloqueios judiciais, o que iria inviabilizar as atividades.
No ano passado, em meio à crise, a Coteminas chegou a fazer um acordo com a Shein, que envolveu investimento de R$ 750 milhões por parte da varejista chinesa.
Atraso de salários
Ao longo de 2023, os problemas financeiros chegaram na operação. A empresa enxugou o quadro de funcionários — um plano que envolvia corte de 34% do total de pessoas.
Funcionários de fábricas em Santa Catarina, Paraíba e Minas Gerais passaram a reclamar de atrasos salariais e de benefícios. Em Blumenau, 226 trabalhadores reclamam de atrasos salariais desde o início do ano.
Em 2023, 850 pessoas foram demitidas, segundo o Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau, Gaspar e Indaial (Sintrafite). Osmar Packer, advogado do sindicato, diz que há débitos trabalhistas de demitidos a pagar:
— As primeiras parcelas (de obrigações trabalhistas) foram pagas, mas depois eles deixaram de pagar.
No processo de recuperação judicial, a Coteminas diz que a proteção ajuda a preservar atividades e empregos. O GLOBO não conseguiu contato com a Coteminas para comentar as queixas do sindicato.
Com a reestruturação, os trabalhadores têm preferência na ordem de pagamento. Daqui para a frente, a Coteminas terá de apresentar a lista de credores.
Uma das dúvidas daqui para frente é o foro do processo. A empresa apresentou o pedido em Minas Gerais, mas há contestação, alegando que ele deveria correr em São Paulo. A decisão ficará a cargo do Superior Tribunal de Justiça.