Em fevereiro do ano que vem, um cruzeiro com até 5 mil clientes, funcionários e fornecedores do Assaí vai de Santos, no litoral de São Paulo, até Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Será uma das comemorações dos 50 anos da rede de atacarejo, que intensificou o processo de expansão nacional abrindo mais de cem unidades desde 2021. A meta é chegar em 300, diz Belmiro Gomes, CEO do Assaí, em entrevista ao GLOBO, mas o plano vai desacelerar neste ano para moderar o endividamento da empresa.
Serão 30 novas lojas até fim de 2025. Além de uma campanha para marcar aniversário redondo, rede de hipermercados também investe na modernização de lojas para atrair consumidores de alta renda. Atualmente, seu modelo de atacarejo atrai principalmente consumidores das classes C, D e E em busca de preços mais baixos. Segundo Gomes, a retomada do nível de consumo dos clientes ao patamar pré-pandemia ainda não se completou.
Como será a campanha que marca os 50 anos do Assaí?
Nascemos na Zona Leste de São Paulo, com uma pequena loja, e hoje somos uma das maiores redes do Brasil, com mais de 82 mil colaboradores, temos lojas gigantescas. A campanha que vamos fazer é a maior da nossa história, com R$ 20 milhões em prêmios, o aluguel de um navio para levar colaboradores e clientes. Desde o início do ano nós já temos passado uma nova mensagem também, com o slogan “Para Todos, de Sol a Sol”.
Ainda temos uma nova identidade visual, com logo e marca. Na campanha, buscamos artistas das cinco regiões do país. Nós temos esse cuidado de não fazer parecer que o Assaí é uma empresa de São Paulo.
Faz um ano que o grupo Casino deixou de vez a participação no Assaí. O que mudou?
Tem algumas mudanças com a dinâmica, quando você não tem um acionista controlador. Mas, na minha visão, a companhia seguiu de forma consistente. Operacionalmente, o impacto foi praticamente nulo. Do ponto de vista comercial, operacional e administrativo, já era uma companhia totalmente independente. O que se fazia era uma consolidação de resultados. Mas o nível de interferência era baixo.
O modelo de atacarejo pode ser melhorado?
Nosso modelo sempre teve a vantagem de oferecer preço baixo. Mas o calcanhar de aquiles era uma experiência de compra às vezes muito ruim, com lojas espartanas. Unidades novas do Assaí, como a de Anhanguera, em São Paulo, são diferentes. Não tem como sair reformando todo o parque de uma vez, mas, nas novas unidades, principalmente dos últimos três anos, desde que compramos a rede (de lojas) do Extra, incluímos açougue, padaria, serviço de cafeteria. Foi feita também uma ampliação na quantidade de marcas ofertadas.
A busca é reequilibrar a oferta entre preço baixo e experiência. Muito do ganho de escala que tivemos nos últimos anos, com diminuição de custo e sinergia, foi investido na experiência de compra. Isso para que o modelo do Assaí não ficasse restrito ao público das classes C, D e E, que era o foco inicial. Essa evolução vem acontecendo de forma muito forte nos últimos anos e deve seguir para frente.
Como estão fazendo esse reequilíbrio?
Muito do ganho de escala que tivemos nos últimos anos, com diminuição de custo e sinergia, foram investidos na experiência de compra. Se a gente olhar em uma linha do tempo mais longa, o percentual de despesas de vendas, gerais e administrativas que nós trabalhávamos em 2011 é o mesmo que nós temos até hoje, em uma companhia muito maior.
E boa parte do ganho de escala foi reinvestido em experiência de compra. Isso para que o modelo do Assaí não ficasse restrito ao público das classes C, D e E, que era o foco inicial. Essa evolução vem acontecendo de forma muito forte nos últimos anos e ainda deve seguir para frente.
O objetivo é que todas as lojas tenham o padrão das novas unidades?
Todas. Em São Paulo, reformamos as lojas da Casa Verde, em São Bernardo. Vamos fazer a revitalização na Barra Funda. Imóveis mais antigos, por mais que você invista e faça a revitalização, nunca são iguais ao que você construiu, mas em termos de experiência de compra fica muito próximo.
Como atrair as classes A e B?
Quando você estratifica a participação por classes sociais na nossa base de clientes ela é muito similar ao que se tem na população brasileira. Ter a expertise de operar para todas as classes sociais é uma vantagem, dado que isso não nos limita do ponto de vista de expansão. Nós temos lojas preparadas para atender a baixa renda e lojas preparadas para atender a alta renda.
Há lojas com 400 rótulos de vinho de oferta. Ou seja, conseguimos atender a um público de outras classes sociais. Isso dá uma diversidade que nos permite, tanto do ponto de vista de expansão nacional, como do ponto de vista de região, olhar o Brasil como um todo sem muita restrição
Há rivais ganhando espaço no atacarejo. Como se diferenciar?
Essa entrada para atender a população de maior renda, em grandes centros, foi um movimento, por exemplo. E por mais que você tenha duas companhias trabalhando na mesma área, cada uma tem a sua cultura. O mercado é altamente competitivo. O fato de estarmos em uma posição de destaque hoje não nos dá tranquilidade. Precisamos continuar levantando mais cedo, correndo mais e batalhando com os demais competidores, que é o que move.
O ritmo de expansão das lojas vai diminuir?
Sim, vai ser um ritmo menor até porque precisamos depurar muito dessa expansão. Em 36 meses, foram quase 120 lojas de inauguração. A aquisição do Extra foi feita principalmente para entrar em pontos comerciais na grande São Paulo e em outras capitais que, do ponto de vista imobiliário, seria muito difícil. Então o modelo foi adaptado e evoluído para atender a um público de maior renda dessas regiões.
Passado esse período, a companhia acumulou uma alavancagem importante, e os juros não se comportaram como esperado. Isso fez com que passássemos a carregar um custo de carregamento de dívida elevado. Agora estamos segurando investimento. Reduzimos a expansão para 15 lojas. Ainda vamos definir o que será para 2025, mas deve ficar em patamares próximos de 2024.
O nível de endividamento preocupa?
A companhia sempre foi uma grande geradora de caixa. Tanto que no período do GPA nós nunca recebemos qualquer real de investimento, nem do GPA nem do Casino. Quando eu cheguei no Assaí foi feito todo esse movimento de expansão com captação de recursos no mercado financeiro ou por geração de caixa próprio. À medida que a gente entra com o objetivo de desalavancagem, há uma questão do custo da dívida.
O custo da dívida tem a ver com o montante, quantas vezes o Ebitda (indicador contábil de geração de caixa) comprometido, mas principalmente quanto do Ebitda eu destino para pagar esse custo. Se os juros estiverem em 4%, você pode suportar uma alavancagem de duas, três vezes o nível de Ebtida. Com os juros no patamar atual, requer cautela e por isso vamos dar uma segurada agora no nível de investimento.
Vê perspectiva de melhora no cenário econômico?
Ainda vejo com muita cautela. Temos fatores externos, como os juros nos EUA, que têm elevado a pressão. A grande preocupação é até onde vai a taxa de câmbio. Se o dólar permanecer muito elevado pode levar a um repique inflacionário no Brasil. E, obviamente, sigo torcendo pela queda de juros. Enquanto os juros seguem altos, não há espaço para um cenário tão otimista como nós tínhamos no final do ano passado.
O que mudou no perfil de consumo das classes C e D desde o início do Assaí?
Indiscutivelmente há uma melhora da renda da população, ainda que a renda seja muito curta e com dificuldades. O que nós fizemos, do ponto de vista da adaptação, é que inicialmente o setor era muito voltado para preços baixos. Agora há um foco em preço baixo mas também em garantir uma experiência de compra e uma amplitude de marcas que permitam uma escolha para o consumidor.
No período pós-pandemia com inflação e juros altos, o atacarejo acabou sendo uma opção para quem buscava preço mais baixo. Como está o comportamento agora?
Houve um trade down (quando consumidor passa a optar por opções mais baratas do que normalmente compraria) que estimamos ter sido de cerca de 12% no período da pandemia para cá. Também houve um movimento feito pela indústria de redução dos tamanhos de embalagens. A combinação de juros altos e própria inflação tem feito com que a população ainda não tenha conseguido retomar seus hábitos de compra.
Esse trade down de 12% ainda não teve retorno. A gente também tem visto também, e eu fui um dos primeiros a trazer isso, a questão dos jogos eletrônicos, das bets, do jogo do Tigrinho que estão fazendo um estrago muito grande na população de baixa renda. É inacreditável.
Como vocês calculam esse ‘estrago’?
Temos uma série de pesquisas de monitoramento do destino de renda. Uma delas perguntou justamente o que impedia as pessoas de voltarem aos níveis de consumo anteriores ao da pandemia, e aí apareciam juros altos, cartão de crédito e um pedaço da renda indo primeiro para as bets e depois para o famigerado jogo do Tigrinho. Tem gerado uma série de impactos, principalmente na população de baixa renda.
Quando deve haver uma retomada do consumo aos níveis pré-pandemia?
Não esperamos uma retomada tão expressiva. Parte desses 12% de trade down, por exemplo, já foi incorporada como uma mudança de hábito. E enquanto os juros seguirem elevados, com a população endividada, a gente vê uma parcela que não tem espaço para uma grande retomada de consumo. Nossa expectativa é ter um segundo semestre mais positivo do que o primeiro, mas nenhuma grande explosão em termos de mercado.
Uma parcela importante dos clientes de vocês é de pequenos e médios comerciantes. O comportamento de compra anterior ao da pandemia também não voltou?
Muitas empresas desse segmento não sobreviveram à pandemia. Já houve uma retomada, mas o que a gente vê é que esse é um cliente que está mais racional e está pressionado com os juros altos, o que obriga ele a trabalhar cada vez mais com estoque curto.
O que vislumbra para o modelo atacarejo no longo prazo? Tem como ser mais digital?
A gente deve ter cada vez mais uma combinação entre o mundo físico e o mundo digital, indiscutivelmente. Mas ainda há um desafio logístico muito grande do ponto de vista de entrega de produto alimentar, que é baixo valor agregado. Acho que a grande mudança deve vir nos canais da marca. No caso do Assaí, vamos seguir incluindo novos produtos nas lojas. Devemos avançar ainda mais em outros estados do Brasil também.
Ainda não temos operação em dois estados do Sul (SC e RS). Quando fazemos pesquisas, o que vemos é que o mais importante para o cliente é saber se o produto que ele quer tem numa loja ou se há vaga para estacionar. O e-commerce não aparece como prioridade. É claro que há grandes vantagens no e-commerce, mas no setor alimentar ainda são muitos os desafios. Já temos um aplicativo e parceria com Cornershop e Rappi para entregas. E ainda vamos evoluir em funcionalidades conectadas com o ponto físico.