A tradicional e outrora agradável caminhada dos dirigentes da Telecom Italia (TI) entre a sede da empresa, no Centro de Milão, e a estonteante Galleria Vittorio Emanuele vem sendo feita ao som de Carmine Coppola. A alusão metafórica ao filme “O Poderoso Chefão” dá o tom da gravidade da circunstância. A julgar pelo próprio noticiário da imprensa italiana, as dramáticas ocorrências criminais e os crescentes problemas financeiros da companhia fizeram da cúpula da TI protagonista de um romance siciliano escrito em terras milanesas. O mais novo escândalo tem origem justamente no Brasil, a maior operação do grupo fora da Itália. Um processo trabalhista movido por um exempregado da operadora em Goiás pode ser o elo perdido para a confirmação da existência de um “SIM Card tupiniquim”, uma versão tropicalizada do esquema de fraudes que teria sido conduzido pelo executivo Luca Luciani na Telecom Italia.
No mês passado, o juiz Luciano Crispim, da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, considerou imotivada a dispensa do funcionário Eduardo Cavalcanti Lemes, demitido pela TIM por justa causa. Segundo a companhia, ele fraudava a ativação de linhas telefônicas, habilitando mais de cinco números por CPF. No entanto, a Justiça considerou que a ativação de “linhas fantasmas” era feita com “a autorização de superiores hierárquicos”. Mais do que isso: em sua sentença, o juiz corrobora, com todas as letras, que se trata de um procedimento padrão da TIM – “A conduta do obreiro, de habilitar mais de cinco linhas por CPF, era prática comum na empresa e de conhecimento da chefia”.
As peças parecem se encaixar neste enredo, para muitos uma espécie de versão corporativa da obra de Mario Puzzo. Na época em que o funcionário foi demitido, a TIM Brasil era comandada por Luca Luciani, investigado pela Justiça italiana por supostamente inflar a base de assinantes da TI com a ativação artificial de chips conhecidos como SIM Cards. É bom lembrar que Luciani presta continência a Franco Bernabè, chairman e CEO da Telecom Italia. E ambos têm como mentor Marco Tronchetti Provera, presidente do Conselho da Pirelli e condenado por espionagem e furto de dados. Luciani deixou a presidência da operadora brasileira em maio do ano passado, em meio ao escândalo na Itália. Ostentava, então, números impressionantes. Nos três anos de sua gestão, a base de celulares da TIM passou de 36 milhões para 67 milhões – ou seja, uma média anual de dez milhões de novos clientes. No triênio anterior, esta média não teria passado dos cinco milhões de linhas.
Pelo sim, pelo não, logo após a demissão de Luciani, a TIM contratou a Deloitte para auditar sua base de assinantes. A consultoria concluiu que a operadora não adotava qualquer prática irregular, diga-se de passagem, com uma velocidade digna de elogios: em apenas dez dias, mapeou um universo de quase 70 milhões de clientes. Luciani aumentou o número de assinantes, mas não protegeu a empresa de riscos contábeis. Entre 2009 e 2012, o total de perdas tributárias classificadas como possíveis subiu de R$ 1,1 bilhão para R$ 6,6 bilhões, um salto de 500%. No mesmo período, as provisões para eventuais contingências tributárias saíram de R$ 76 milhões para apenas R$ 139 milhões, um aumento de somente 100%. Até o Savini, onde os dirigentes da Telecom Italia costumam saborear a clássica Lombatina di agnello alle mandorle, deve ser mais cauteloso com sua contabilidade. Procurada pelo RR, a TIM não quis se pronunciar.
Fonte: Relatório Reservado