Cientistas apontam risco recorde de aniquilação, e política ambiental brasileira é citada
A humanidade está mais próxima da aniquilação em 2020 do que em qualquer outro momento desde 1947, quando um grupo de cientistas americanos criou o famoso Relógio do Juízo Final.
Pela primeira vez, o Brasil é citado como colaborador da situação, devido à política ambiental do governo Jair Bolsonaro.
O dispositivo teve seu horário acertado nesta quinta (23), passando de dois minutos para a meia-noite para apenas 100 segundos da hora fatal —as 12 badaladas indicariam o apocalipse, na metáfora criada pelo prestigioso Boletim dos Cientistas Atômicos.
Historicamente, o Relógio mede o risco de uma guerra nuclear, mas desde 2007 ele também contempla a mudança climática e seus efeitos. Avanços tecnológicos perigosos também entram na conta, como neste ano.
Os dois minutos para a meia-noite, ?em vigor desde 2018, eram o pior nível histórico, só registrado antes em 1953, após Estados Unidos e União Soviética testarem suas bombas de hidrogênio.
“A humanidade continua a enfrentar dois riscos existenciais simultâneos —guerra nuclear e mudança climática—, que são ampliados por uma multiplicador de ameaças, a guerra cibernética de informação, que mina a habilidade da sociedade em responder”, diz o comunicado.
Ao listar os problemas na área ambiental, o Boletim citou nominalmente o Brasil. “No ano passado, alguns países agiram para combater a mudança climática, mas outros, incluindo os Estados Unidos, que deixaram o Acordo de Paris, e o Brasil, que desmantelou políticas que protegiam a floresta amazônica, deram vários passos para trás.”
A questão ambiental é um nó para a imagem externa do Brasil desde que Bolsonaro assumiu, prometendo acabar com reservas indígenas e facilitar a exploração promovida pelo agronegócio. Na conferência das Nações Unidas sobre o clima, em Madri, o governo trabalhou para o fracasso de iniciativas conservacionistas.
Além disso, incêndios de grandes proporções na temporada de seca na Amazônia acabaram sendo usados como munição por países como a França para acusar o Brasil de ser o grande vilão no setor no mundo. A despeito de exageros de lado a lado, a imagem colou.
Investidores têm questionado a política de Bolsonaro para a área, e o ministro Paulo Guedes (Economia) acabou sendo obrigado a falar sobre ambiente durante um debate econômico no fórum de Davos (Suíça), nesta semana.
O Boletim citou o fracasso em Madri, a elevação da emissão de gases do efeito estufa e uma série de eventos extremos, como incêndios de grandes proporções “do Ártico à Austrália”, como evidências de que o mundo está, simbolicamente, mais perto de seu fim do que nunca.
Mas essa é só parte da história. Em 2019, houve um aumento significativo no risco de um embate com armas nucleares com a decisão norte-americana de deixar um dos principais acordos de limitação de mísseis do fim da Guerra Fria com a Rússia.
“Nos últimos dois anos nós vimos líderes influentes descartar os mais efetivos métodos para lidar com ameaças complexas, acordos internacionais”, afirma o texto.
Moscou, por sua vez, acelerou o programa de mísseis hipersônicos, armas que prometem trazer destruição muito mais rapidamente ao adversário caso sejam usadas.
A disputa entre Irã e EUA, que chegou quase ao paroxismo de uma guerra no começo deste ano, viu o regime dos aiatolás abandonar na prática as limitações do acordo nuclear que visava impedi-lo de obter a bomba. E a Coreia do Norte continua sendo uma interrogação quando o assunto é desarmamento atômico.
Hoje, Rússia e EUA têm os maiores arsenais nucleares do mundo, herança da corrida que disputaram durante a Guerra Fria encerrada em 1991 —ano em que o Relógio teve seus ponteiros na posição mais distante da meia-noite apocalíptica, 17 minutos para meia-noite. Cada país tem cerca de 1.700 ogivas operacionais.
Os franceses e os chineses vêm atrás, com cerca de 300 armas nucleares cada um. “Se a China decidir aumentar seu arsenal para o nível da Rússia ou dos EUA, um desenvolvimento que antes era considerado improvável, mas agora está sendo debatido, o cálculo de dissuasão ficará mais complicado, deixando a situação mais perigosa”, afirmam os cientistas.
Temperando tudo, há a revolução tecnológica das novas formas de comunicação, que foi acompanhada por um esforço renovado de governos em espalhar mentiras. Inteligência artificial, fake news, a introdução dos deepfakes e outras táticas são vistas com preocupação. “As campanhas de desinformação semeiam desconfiança nas instituições e entre as nações”, afirma o Boletim.
O grupo faz uma série de sugestões para reverter o curso atual:
– Área nuclear: retomada das negociações e acordos entre EUA e Rússia, volta do Tratado de Forças Nucleares Intermediárias, ampliação dos limites do acordo Novo Start, discussão sobre a militarização do espaço, debate sobre armas avançadas e restrição às intenções bélicas do Irã.
– Ambiente: países precisam aderir de fato aos parâmetros do Acordo de Paris, cidadãos americanos precisam cobrar mudança de posição do governo Trump e exigir a volta aos pactos.
– Tecnologia: é preciso criar normas internacionais que penalizem e disciplinem o uso da ciência e da informação, sob risco de erosão das democracias.
O Boletim foi formado em 1945 por pesquisadores da Universidade de Chicago que haviam participado do Projeto Manhattan, a criação da bomba atômica americana.
Dois anos depois, alarmados com as possibilidade de o novo armamento ser utilizado em um conflito entre Estados Unidos e União Soviética, eles criaram o Relógio como forma de alertar a comunidade internacional de riscos. Hoje, 20 cientistas fazem parte do quadro que ajusta o horário.
Fonte: Folha de São Paulo