Quem é o ‘Bill Gates’ britânico que desapareceu em naufrágio de iate de luxo

Mike Lynch, um empresário britânico da área de tecnologia, e sua filha Hannah, de 18 anos, estão entre os desaparecidos no naufrágio de um iate de luxo na costa da Sicília, na Itália.

Depois de ter sido cofundador da companhia de tecnologia britânica Autonomy, em 1996, e de ter apoiado várias empresas de tecnologia de sucesso, o empresário foi considerado por alguns como a resposta do Reino Unido ao fundador da Microsoft, Bill Gates.

Uma pessoa morreu e seis estão desaparecidas depois que o superiate de 56 metros chamado Bayesian, vinculado à família de Lynch, afundou em decorrência do mau tempo.

A esposa dele, Angela Bacares, foi resgatada.

A embarcação foi atingida por uma violenta tromba d´água nas primeiras horas de segunda-feira (19/8). As equipes de resgate conseguiram retirar do mar 15 pessoas que estavam a bordo, mas outras seis continuam desaparecidas.

A guarda costeira italiana informou que os mergulhadores encontraram o corpo de um homem, ainda não identificado formalmente, mas as autoridades acreditam se tratar do cozinheiro do iate.

O magnata britânico da tecnologia fez sua fortuna ao vender a Autonomy à gigante americana da computação Hewlett-Packard (HP), em 2011, por US$ 11 bilhões (cerca de R$ 59 bilhões).

Mas uma intensa batalha jurídica relacionada à aquisição pairou sobre Lynch durante mais de uma década.

Em junho, ele foi absolvido na Justiça dos EUA de uma série de acusações de fraude, pelas quais poderia pegar duas décadas de prisão.

Em entrevista à Radio 4, da BBC, em agosto, Lynch disse acreditar que só conseguiu provar sua inocência perante o tribunal americano devido à sua fortuna.

O naufrágio do iate ocorreu no mesmo dia em que foi confirmada a morte do corréu de Lynch no caso de fraude, Stephen Chamberlain. O advogado dele afirmou que seu cliente morreu após ser atropelado por um carro no condado de Cambridgeshire, na Inglaterra, no sábado (17/8).

De Cambridge à Autonomy

Nascido em 16 de junho de 1965, Lynch é filho de uma enfermeira e de um bombeiro — ele foi criado perto de Chelmsford, em Essex, na Inglaterra.

Ele estudou Ciências Naturais na Universidade de Cambridge, onde fez doutorado em computação matemática, e mais tarde ganhou uma bolsa de pesquisa.

Em 1991, Lynch ajudou a fundar a Cambridge Neurodynamics — uma empresa especializada na utilização de detecção e reconhecimento de impressões digitais por computador.

A empresa de tecnologia Autonomy foi criada cinco anos depois, usando um método estatístico conhecido como “inferência bayesiana” no núcleo de seu software.

O rápido crescimento e sucesso da companhia ao longo do final da década de 1990 e início dos anos 2000 fizeram com que Lynch ganhasse vários prêmios e distinções.

Em 2006, ele foi condecorado com a Ordem do Império Britânico (OBE, na sigla em inglês), em reconhecimento aos serviços prestados às empresas do Reino Unido.

Ele atuou no conselho da BBC como diretor não executivo e, em 2011, foi nomeado para o conselho governamental de ciência e tecnologia — aconselhando o então primeiro-ministro, David Cameron, sobre os riscos e oportunidades do desenvolvimento da inteligência artificial.

Após a venda da Autonomy para a HP em 2011 — com a qual acredita-se que Lynch tenha lucrado £ 500 milhões (cerca de R$ 3,5 bilhões) —, ele fundou a empresa de investimentos em tecnologia Invoke Capital.

O fundo de capital de risco investiu na criação da empresa britânica de segurança cibernética Darktrace, em 2013.

Acionista da empresa, Lynch ocupou uma cadeira no conselho da companhia até o início deste ano.

Amigos e família

Lynch e a esposa, Angela Bacares, têm duas filhas, e moram na propriedade Loudham Hall, em Suffolk, na Inglaterra.

Hannah, de 18 anos, também estava no iate que afundou.

O diretor-geral do departamento de Defesa Civil da Sicília, Salvatore Cocina, disse à BBC que Lynch, sua filha e o chef do iate estavam entre os desaparecidos.

A equipe da BBC Verify consultou registros empresariais e descobriu que a propriedade do iate Bayesian está vinculada à família.

Fontes próximas ao incidente confirmaram à BBC que Angela Bacares foi resgatada.

Em paralelo, Stephen Chamberlain, corréu de Lynch no julgamento da Autonomy, morreu após ser atropelado por um carro.

Chamberlain estava correndo em Cambridgeshire. no sábado, quando foi fatalmente atingido pelo veículo.

Venda para a Hewlett-Packard

A Autonomy se tornou bem-sucedida pela capacidade do seu software de extrair informações úteis de dados como telefonemas, e-mails e vídeos.

Em seguida, usaria esses dados para fazer coisas como sugerir respostas a uma operadora de call center ou monitorar canais de televisão em busca de palavras ou temas.

Antes de ser comprada pela HP em 2011, a Autonomy tinha sedes em São Francisco e Cambridge.

Mas o preço de venda foi alvo de escrutínio após a transação, e o valor da Autonomy foi reduzido em bilhões apenas um ano depois.

Em 2018, promotores dos EUA abriram um processo contra Lynch — acusando-o de inflacionar o valor da empresa.

Eles disseram que ele havia ocultado o prejuízo da empresa na revenda de hardware, e também o acusaram de intimidar ou subornar pessoas que manifestaram preocupações.

Lynch disse à Radio 4, da BBC, no início de agosto, que, embora estivesse convencido de sua inocência durante o longo julgamento, ele sentiu que só seria capaz de provar isso perante o tribunal dos EUA devido à sua fortuna.

“Você não deveria precisar de fundos para se proteger como cidadão britânico”, ele afirmou.

“A razão pela qual estou sentado aqui, sejamos honestos, não é só porque eu era inocente… mas porque tinha dinheiro suficiente para não ser destruído por um processo criado para te destruir.”

Ele acrescentou que após a saga jurídica, pretendia “voltar ao que adoro fazer, que é inovar”.

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Familiares dos tripulantes têm direito a indenização, diz presidente do TRT-10

O acidente aéreo da última sexta-feira (9/8), que vitimou 62 pessoas na cidade de Vinhedo (SP), levantou dúvidas sobre os direitos de indenização para as famílias das vítimas da tragédia. Em entrevista ao CB.Poder — uma parceria entre o Correio e a TV Brasília —, desta quarta-feira (14/8), o desembargador João Ribamar Lima Júnior, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10° Região, explicou como funciona o processo para receber as indenizações dos trabalhadores de empresas aéreas que morreram em acidentes de trabalho.

De acordo com Lima, acidentes de trabalho são classificados como qualquer dano físico que o empregado sofra durante o exercício da profissão. O desembargador explica que o acidente de avião na última semana, que matou os quatro tripulantes do voo, é considerado um acidente de trabalho e é uma responsabilidade do empregador, ou seja, uma responsabilidade objetiva.

“Nesse caso, existe o direito a indenização material, como o recebimento de uma pensão. Os familiares, então, receberão uma pensão até determinada idade, esse é o dano material que seria recomposto. O dano moral fica a encargo do magistrado do processo que faria o arbitramento do dano mora”, diz.

Lima diz que os processos trabalhistas, na maioria das vezes, são mais rápidos, já que se tratam de uma indenização para crédito alimentar, diferente dos outros processos na justiça. Mesmo com as legislações para os direitos dos trabalhadores, os processos não são recorrentes pelo medo do trabalhador de perder o emprego.

“Os processos trabalhistas, na maioria das vezes, só são ajuizados depois da relação contratual ser acabada, assim, aquele processo vai tratar sobre temas do passado. Então, o que a justiça trabalhista faz é aplicar a legislação trabalhista, que é protetora do trabalhador, com inúmeros direitos. Mas, desde a reforma trabalhista, houve uma redução no número de processos trabalhistas”, completa.

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O que é ‘woke’ e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA

“Acordei.”

Este é o significado literal da palavra “woke”, passado do verbo wake, que significa “acordar, despertar”.

Recentemente, no entanto, o termo ganhou significados bem mais amplos. Na gíria norte-americana, ser ou estar “woke” pode indicar com quais posturas políticas você se mais se identifica.

Neste ano, antes das eleições dos EUA em novembro, “woke” e alguns outros termos têm tido uma forte presença no debate online e, de acordo com especialistas, podem influenciar significativamente os eleitores.

O uso do termo “woke” surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria dizer “estar alerta para a injustiça racial”.

“Muitas pessoas acreditam que quem o cunhou foi (o romancista) William Melvin Kelley (1937-2017)”, afirma Elijah Watson, editor de notícias e cultura do website de música norte-americana Okayplayer e autor de uma série de artigos sobre a origem do termo “woke”.

Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal The New York Times com o título If You’re Woke, You Dig it (“Se você estiver acordado, entenderá”, em tradução livre), segundo Watson.

O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes. Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo.

Até que, em 2017, o dicionário inglês Oxford acrescentou este novo significado de woke, definido como: “estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo”.

Parece algo positivo, certo? Mas isso depende da pessoa a quem se faz essa pergunta.

Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke, ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.

O próprio dicionário Oxford faz esta distinção. Após a definição, ele acrescenta: “esta palavra é frequentemente empregada com desaprovação por pessoas que pensam que outros se incomodam muito facilmente com estes assuntos, ou falam demais sobre eles, sem promover nenhuma mudança”.

Segundo o dicionário americano Merriam-Webster, o termo é usado com desaprovação para referir-se a alguém politicamente liberal (em temas como justiça racial e social), especialmente de forma considerada insensata ou extremista.

Ou seja, para algumas pessoas, ser “woke” é ter consciência social e racial, questionando paradigmas e normas opressores historicamente impostos pela sociedade. Já para outros, o termo descreve hipócritas que acreditam que são moralmente superiores e querem impor suas ideias progressistas sobre os demais.

Os críticos da cultura “woke” questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser “policiais da linguagem” — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginos, homofóbicos ou racistas.

Um método que vem gerando muito mal estar é o “cancelamento”: o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável.

Para as pessoas “woke”, trata-se de uma forma de protesto não violento que permite empoderar grupos historicamente marginalizados da sociedade e corrigir comportamentos, especialmente nos setores mais privilegiados que, até agora, eram parte do status quo e persistiam sem punição, nem mudança.

Mas os críticos afirmam que o cancelamento é a correção política levada ao extremo e que ele atenta contra a liberdade de expressão e “os valores tradicionais norte-americanos”.

Batalha política

O ex-presidente americano Donald Trump é o maior crítico da cultura ‘woke’, que ele associa ao atual mandatário, Joe Biden

O que começou como um choque cultural foi se transformando em um enfrentamento político.

O termo “woke” tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto.

São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal, que inclui políticos americanos como os congressistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.

Por outro lado, a ala mais extrema do Partido Republicano, liderada pelo ex-presidente americano Donald Trump, acredita que essas políticas representam não só uma ameaça aos “valores da família”, mas também à própria democracia, que se pretenderia “substituir por uma tirania woke”.

Em 2020, um dos eixos centrais da campanha para a reeleição de Trump foi combater os chamados woke lefties (“esquerdistas despertos”) que, segundo ele, praticam o “fascismo da extrema esquerda”.

O então presidente afirmou que a “cultura do cancelamento” estava “expulsando as pessoas dos seus trabalhos, envergonhando os dissidentes e exigindo a total submissão de qualquer pessoa que não esteja de acordo”.

“É a própria definição de totalitarismo”, acusou o líder republicano.

Já para os democratas, o autoritário é Trump, algo que, segundo eles, ficou demonstrado quando ele se recusou a deixar o poder após sua derrota eleitoral e seus simpatizantes invadiram o Capitólio.

Longe de equilibrar o debate, os dois primeiros anos do governo Biden aprofundaram a polarização entre os dois setores. Segundo o centro de pesquisas norte-americano Pew Research Center, “hoje, os democratas e os republicanos estão ideologicamente mais afastados do que em qualquer outro momento nos últimos 50 anos”.

E uma pesquisa realizada em setembro pela rede de TV CBS demonstrou que quase a metade dos membros de ambos os partidos considera o outro não como um opositor político, mas como um “inimigo”.

Trump falou sobre a ‘cultura woke’ na última Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês)

Eleições

Antes das eleição presidencial dos EUA de 2024, as diferenças ideológicas ganharam forças às vésperas das eleições legislativas americanas de 2022, conhecidas como eleições de meio de mandato (midterm, em inglês).

Durante a campanha eleitoral, muitos partidários de Trump voltaram a alertar sobre os supostos perigos do chamado “wokeísmo” democrata.

“Você pode perder o seu trabalho. Pode ser rejeitado na arena pública americana nas redes sociais. Pode ser perseguido na rua. Podem atirar coisas em você. Você pode ser agredido fisicamente (como ocorreu ao escritor) Salman Rushdie. Pode ser apunhalado na garganta se eles não concordarem com você”, afirmou recentemente na rede de TV Fox News a comentarista política conservadora Tammy Bruce.

Muitos democratas criticam esse tipo de afirmação, destacando que se trata de retórica alarmista em busca de votos.

“A cada eleição, (os republicanos) inventam um novo bicho-papão, em vez de tentar resolver problemas e melhorar a vida das pessoas”, criticou o democrata Charlie Crist, à rede CBS News.

Ron DeSantis, governador da Flórida, é um dos republicanos que mais ressaltam os supostos perigos da cultura “woke” dos seus rivais. Nos seus discursos, ele costuma repetir que “woke é a nova religião da esquerda”.

Neste contexto, alguns democratas — especialmente os mais moderados — alertaram que o chamado “wokeísmo” está prejudicando seu partido, fornecendo armas para que os republicanos os ataquem.

“O woke é um problema e todos (do Partido Democrata) sabem disso”, afirmou o consultor político democrata James Carville, que liderou a vitoriosa campanha presidencial de Bill Clinton nos anos 1990, ao site Vox.

Para Carville, o problema são algumas das propostas mais extremistas que excluem os setores conservadores da sociedade e são usadas pelos trumpistas para assustar o eleitorado.

Como exemplo, ele mencionou a iniciativa para “retirar o financiamento da polícia” e usar esses fundos para programas de ajuda comunitária. Essa ideia surgiu após o assassinato de George Floyd em 2020 e procura pôr fim ao chamado “racismo sistêmico nas forças de segurança”.

Embora muitos democratas, incluindo o presidente Biden, tenham se manifestado contra essa ideia, alguns a apoiaram, o que fez com que diversos candidatos republicanos associassem todo o partido à proposta, que é impopular entre grande parte da população.

Obama e AOC

A cultura “woke” também gerou críticas internas na liderança do Partido Democrata. E um dos seus detratores mais famosos e ativos é o ex-presidente Barack Obama.

Em 2019, às vésperas da escolha de Joe Biden como o candidato democrata para as eleições presidenciais do ano seguinte, Obama criticou que especialmente os mais jovens estivessem se concentrando em verificar o grau de wokeness de cada pessoa.

Ele se manifestou depois que diversos pré-candidatos democratas foram forçados a pedir desculpas em público por declarações feitas no passado.

“Tenho a sensação de que alguns jovens nas redes sociais acreditam que a forma de gerar mudanças é julgar as outras pessoas o máximo possível”, afirmou o ex-presidente durante um encontro anual da Fundação Obama.

“Se eu posto um tuíte ou publico uma hashtag sobre como você não fez algo direito ou usou o verbo incorreto, posso sentar-me e me sentir muito bem comigo mesmo: ‘Viu como fui woke? Peguei você!'”, afirmou Obama.

“Chega! Se tudo o que você faz é atirar pedras, provavelmente não irá muito longe”, acrescentou ele. “O mundo é desordenado. Existem ambiguidades. As pessoas que fazem coisas muito boas têm defeitos.”

Mas a legisladora mais jovem da Câmara dos Representantes, a carismática democrata Alexandria Ocasio-Cortez, saiu em defesa do “wokeísmo”.

AOC, como é conhecida, destacou que, se o partido se sair mal nas próximas eleições, terá sido porque o Congresso não conseguiu aprovar leis sobre o direito ao voto, uma das causas emblemáticas dos ativistas “woke”.

Os democratas mais jovens, como a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, são os que mais alimentam a chamada cultura ‘woke’

“Woke é um termo que os especialistas vêm usando como eufemismo pejorativo de direitos civis e justiça”, publicou ela na sua conta no X em novembro de 2021.

“Inventar um problema woke tem como resultado colocar em segundo plano os direitos civis e de voto”, alerta AOC. “Em um ano em que os legislativos estaduais estão planejando maiorias republicanas e supressão de eleitores, isso é perigoso.”

‘Capitalismo woke’

Os debates sobre o “wokeísmo” não dominam apenas a agenda política e cultural americana. Eles também ingressaram no mundo empresarial.

Algumas empresas passaram a ser atacadas nos últimos anos ao adotarem mudanças que são interpretadas — para o bem ou para o mal — como “woke”.

Um caso conhecido é o da Gillette, que gerou polêmica em 2019 com uma publicidade chamada “o melhor que os homens podem ser”, criticando comportamentos masculinos tóxicos, como o bullying, o assédio sexual e o sexismo.

O anúncio foi aplaudido por muitos, mas também chegou a tornar-se um dos vídeos mais reprovados do YouTube, provocando um boicote contra a fabricante de lâminas de barbear.

O golpe econômico sofrido pela dona da empresa, a Procter & Gamble, levou à criação de um meme que se popularizou entre a direita: “Get woke, go broke” (“vire woke, vá à falência”).

Nos últimos tempos, a empresa que recebeu mais elogios e críticas por ser considerada woke é a Disney.

A Disney pode perder os direitos autorais sobre o personagem Mickey em 2024, após adotar políticas consideradas ‘woke’ pelos republicanos

Em abril de 2022, o governador DeSantis assinou uma lei para retirar o status legal especial da Walt Disney Company, que retira o status especial da empresa no Estado da Flórida. E legisladores republicanos advertiram que não aprovariam a prorrogação dos direitos autorais da Disney sobre o seu principal personagem, Mickey.

Tudo isso se deu em represália à oposição dos executivos da empresa a uma lei que proíbe aulas sobre sexualidade, orientação sexual e diversidade de gênero nas escolas primárias da Flórida, apelidada pelos críticos de lei “Não Diga Gay”.

Pressionada pelos funcionários que protestaram e deflagraram greve frente ao silêncio inicial da empresa, a Disney publicou um comunicado contrário a essa norma.

“Nossos funcionários veem o poder desta grande empresa como uma oportunidade de fazer o bem. Estou de acordo”, disse, na época, o diretor-executivo (CEO) da Disney, Bob Chapek.

A empresa também foi acusada por alguns setores conservadores de “fazer ativismo woke”, quando escolheu uma atriz negra como protagonista da nova versão do clássico A Pequena Sereia.

No desenho original, a personagem Ariel (baseada no conto de fadas de Hans Christian Andersen) é retratada como uma sereia de pele branca e olhos azuis (Ariel é ruiva nas duas versões).

Por outro lado, a escolha de uma atriz de pele negra foi elogiada por muitas vozes que não só se sentiram representadas, mas também consideram que, como as sereias são personagens mitológicos, elas podem ter qualquer cor de pele.

DeSantis e outros republicanos também criticaram as empresas que priorizam os investimentos com impacto ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês), classificando-as como “capitalismo woke”.

Leia nesta reportagem sobre como termos como “weird”, “woke” e “brat” tem impactado o debate político nos Estados Unidos antes das eleições de novembro.

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O que é ‘woke’ e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA

“Acordei.”

Este é o significado literal da palavra “woke”, passado do verbo wake, que significa “acordar, despertar”.

Recentemente, no entanto, o termo ganhou significados bem mais amplos. Na gíria norte-americana, ser ou estar “woke” pode indicar com quais posturas políticas você se mais se identifica.

Neste ano, antes das eleições dos EUA em novembro, “woke” e alguns outros termos têm tido uma forte presença no debate online e, de acordo com especialistas, podem influenciar significativamente os eleitores.

O uso do termo “woke” surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria dizer “estar alerta para a injustiça racial”.

“Muitas pessoas acreditam que quem o cunhou foi (o romancista) William Melvin Kelley (1937-2017)”, afirma Elijah Watson, editor de notícias e cultura do website de música norte-americana Okayplayer e autor de uma série de artigos sobre a origem do termo “woke”.

Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal The New York Times com o título If You’re Woke, You Dig it (“Se você estiver acordado, entenderá”, em tradução livre), segundo Watson.

O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes. Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo.

Até que, em 2017, o dicionário inglês Oxford acrescentou este novo significado de woke, definido como: “estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo”.

Parece algo positivo, certo? Mas isso depende da pessoa a quem se faz essa pergunta.

Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke, ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.

O próprio dicionário Oxford faz esta distinção. Após a definição, ele acrescenta: “esta palavra é frequentemente empregada com desaprovação por pessoas que pensam que outros se incomodam muito facilmente com estes assuntos, ou falam demais sobre eles, sem promover nenhuma mudança”.

Segundo o dicionário americano Merriam-Webster, o termo é usado com desaprovação para referir-se a alguém politicamente liberal (em temas como justiça racial e social), especialmente de forma considerada insensata ou extremista.

Ou seja, para algumas pessoas, ser “woke” é ter consciência social e racial, questionando paradigmas e normas opressores historicamente impostos pela sociedade. Já para outros, o termo descreve hipócritas que acreditam que são moralmente superiores e querem impor suas ideias progressistas sobre os demais.

Os críticos da cultura “woke” questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser “policiais da linguagem” — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginos, homofóbicos ou racistas.

Um método que vem gerando muito mal estar é o “cancelamento”: o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável.

Para as pessoas “woke”, trata-se de uma forma de protesto não violento que permite empoderar grupos historicamente marginalizados da sociedade e corrigir comportamentos, especialmente nos setores mais privilegiados que, até agora, eram parte do status quo e persistiam sem punição, nem mudança.

Mas os críticos afirmam que o cancelamento é a correção política levada ao extremo e que ele atenta contra a liberdade de expressão e “os valores tradicionais norte-americanos”.

Batalha política

O ex-presidente americano Donald Trump é o maior crítico da cultura ‘woke’, que ele associa ao atual mandatário, Joe Biden

O que começou como um choque cultural foi se transformando em um enfrentamento político.

O termo “woke” tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto.

São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal, que inclui políticos americanos como os congressistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.

Por outro lado, a ala mais extrema do Partido Republicano, liderada pelo ex-presidente americano Donald Trump, acredita que essas políticas representam não só uma ameaça aos “valores da família”, mas também à própria democracia, que se pretenderia “substituir por uma tirania woke”.

Em 2020, um dos eixos centrais da campanha para a reeleição de Trump foi combater os chamados woke lefties (“esquerdistas despertos”) que, segundo ele, praticam o “fascismo da extrema esquerda”.

O então presidente afirmou que a “cultura do cancelamento” estava “expulsando as pessoas dos seus trabalhos, envergonhando os dissidentes e exigindo a total submissão de qualquer pessoa que não esteja de acordo”.

“É a própria definição de totalitarismo”, acusou o líder republicano.

Já para os democratas, o autoritário é Trump, algo que, segundo eles, ficou demonstrado quando ele se recusou a deixar o poder após sua derrota eleitoral e seus simpatizantes invadiram o Capitólio.

Longe de equilibrar o debate, os dois primeiros anos do governo Biden aprofundaram a polarização entre os dois setores. Segundo o centro de pesquisas norte-americano Pew Research Center, “hoje, os democratas e os republicanos estão ideologicamente mais afastados do que em qualquer outro momento nos últimos 50 anos”.

E uma pesquisa realizada em setembro pela rede de TV CBS demonstrou que quase a metade dos membros de ambos os partidos considera o outro não como um opositor político, mas como um “inimigo”.

Trump falou sobre a ‘cultura woke’ na última Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês)

Eleições

Antes das eleição presidencial dos EUA de 2024, as diferenças ideológicas ganharam forças às vésperas das eleições legislativas americanas de 2022, conhecidas como eleições de meio de mandato (midterm, em inglês).

Durante a campanha eleitoral, muitos partidários de Trump voltaram a alertar sobre os supostos perigos do chamado “wokeísmo” democrata.

“Você pode perder o seu trabalho. Pode ser rejeitado na arena pública americana nas redes sociais. Pode ser perseguido na rua. Podem atirar coisas em você. Você pode ser agredido fisicamente (como ocorreu ao escritor) Salman Rushdie. Pode ser apunhalado na garganta se eles não concordarem com você”, afirmou recentemente na rede de TV Fox News a comentarista política conservadora Tammy Bruce.

Muitos democratas criticam esse tipo de afirmação, destacando que se trata de retórica alarmista em busca de votos.

“A cada eleição, (os republicanos) inventam um novo bicho-papão, em vez de tentar resolver problemas e melhorar a vida das pessoas”, criticou o democrata Charlie Crist, à rede CBS News.

Ron DeSantis, governador da Flórida, é um dos republicanos que mais ressaltam os supostos perigos da cultura “woke” dos seus rivais. Nos seus discursos, ele costuma repetir que “woke é a nova religião da esquerda”.

Neste contexto, alguns democratas — especialmente os mais moderados — alertaram que o chamado “wokeísmo” está prejudicando seu partido, fornecendo armas para que os republicanos os ataquem.

“O woke é um problema e todos (do Partido Democrata) sabem disso”, afirmou o consultor político democrata James Carville, que liderou a vitoriosa campanha presidencial de Bill Clinton nos anos 1990, ao site Vox.

Para Carville, o problema são algumas das propostas mais extremistas que excluem os setores conservadores da sociedade e são usadas pelos trumpistas para assustar o eleitorado.

Como exemplo, ele mencionou a iniciativa para “retirar o financiamento da polícia” e usar esses fundos para programas de ajuda comunitária. Essa ideia surgiu após o assassinato de George Floyd em 2020 e procura pôr fim ao chamado “racismo sistêmico nas forças de segurança”.

Embora muitos democratas, incluindo o presidente Biden, tenham se manifestado contra essa ideia, alguns a apoiaram, o que fez com que diversos candidatos republicanos associassem todo o partido à proposta, que é impopular entre grande parte da população.

Obama e AOC

A cultura “woke” também gerou críticas internas na liderança do Partido Democrata. E um dos seus detratores mais famosos e ativos é o ex-presidente Barack Obama.

Em 2019, às vésperas da escolha de Joe Biden como o candidato democrata para as eleições presidenciais do ano seguinte, Obama criticou que especialmente os mais jovens estivessem se concentrando em verificar o grau de wokeness de cada pessoa.

Ele se manifestou depois que diversos pré-candidatos democratas foram forçados a pedir desculpas em público por declarações feitas no passado.

“Tenho a sensação de que alguns jovens nas redes sociais acreditam que a forma de gerar mudanças é julgar as outras pessoas o máximo possível”, afirmou o ex-presidente durante um encontro anual da Fundação Obama.

“Se eu posto um tuíte ou publico uma hashtag sobre como você não fez algo direito ou usou o verbo incorreto, posso sentar-me e me sentir muito bem comigo mesmo: ‘Viu como fui woke? Peguei você!'”, afirmou Obama.

“Chega! Se tudo o que você faz é atirar pedras, provavelmente não irá muito longe”, acrescentou ele. “O mundo é desordenado. Existem ambiguidades. As pessoas que fazem coisas muito boas têm defeitos.”

Mas a legisladora mais jovem da Câmara dos Representantes, a carismática democrata Alexandria Ocasio-Cortez, saiu em defesa do “wokeísmo”.

AOC, como é conhecida, destacou que, se o partido se sair mal nas próximas eleições, terá sido porque o Congresso não conseguiu aprovar leis sobre o direito ao voto, uma das causas emblemáticas dos ativistas “woke”.

Os democratas mais jovens, como a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, são os que mais alimentam a chamada cultura ‘woke’

“Woke é um termo que os especialistas vêm usando como eufemismo pejorativo de direitos civis e justiça”, publicou ela na sua conta no X em novembro de 2021.

“Inventar um problema woke tem como resultado colocar em segundo plano os direitos civis e de voto”, alerta AOC. “Em um ano em que os legislativos estaduais estão planejando maiorias republicanas e supressão de eleitores, isso é perigoso.”

‘Capitalismo woke’

Os debates sobre o “wokeísmo” não dominam apenas a agenda política e cultural americana. Eles também ingressaram no mundo empresarial.

Algumas empresas passaram a ser atacadas nos últimos anos ao adotarem mudanças que são interpretadas — para o bem ou para o mal — como “woke”.

Um caso conhecido é o da Gillette, que gerou polêmica em 2019 com uma publicidade chamada “o melhor que os homens podem ser”, criticando comportamentos masculinos tóxicos, como o bullying, o assédio sexual e o sexismo.

O anúncio foi aplaudido por muitos, mas também chegou a tornar-se um dos vídeos mais reprovados do YouTube, provocando um boicote contra a fabricante de lâminas de barbear.

O golpe econômico sofrido pela dona da empresa, a Procter & Gamble, levou à criação de um meme que se popularizou entre a direita: “Get woke, go broke” (“vire woke, vá à falência”).

Nos últimos tempos, a empresa que recebeu mais elogios e críticas por ser considerada woke é a Disney.

A Disney pode perder os direitos autorais sobre o personagem Mickey em 2024, após adotar políticas consideradas ‘woke’ pelos republicanos

Em abril de 2022, o governador DeSantis assinou uma lei para retirar o status legal especial da Walt Disney Company, que retira o status especial da empresa no Estado da Flórida. E legisladores republicanos advertiram que não aprovariam a prorrogação dos direitos autorais da Disney sobre o seu principal personagem, Mickey.

Tudo isso se deu em represália à oposição dos executivos da empresa a uma lei que proíbe aulas sobre sexualidade, orientação sexual e diversidade de gênero nas escolas primárias da Flórida, apelidada pelos críticos de lei “Não Diga Gay”.

Pressionada pelos funcionários que protestaram e deflagraram greve frente ao silêncio inicial da empresa, a Disney publicou um comunicado contrário a essa norma.

“Nossos funcionários veem o poder desta grande empresa como uma oportunidade de fazer o bem. Estou de acordo”, disse, na época, o diretor-executivo (CEO) da Disney, Bob Chapek.

A empresa também foi acusada por alguns setores conservadores de “fazer ativismo woke”, quando escolheu uma atriz negra como protagonista da nova versão do clássico A Pequena Sereia.

No desenho original, a personagem Ariel (baseada no conto de fadas de Hans Christian Andersen) é retratada como uma sereia de pele branca e olhos azuis (Ariel é ruiva nas duas versões).

Por outro lado, a escolha de uma atriz de pele negra foi elogiada por muitas vozes que não só se sentiram representadas, mas também consideram que, como as sereias são personagens mitológicos, elas podem ter qualquer cor de pele.

DeSantis e outros republicanos também criticaram as empresas que priorizam os investimentos com impacto ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês), classificando-as como “capitalismo woke”.

Leia nesta reportagem sobre como termos como “weird”, “woke” e “brat” tem impactado o debate político nos Estados Unidos antes das eleições de novembro.

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O que é ‘woke’ e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA

“Acordei.”

Este é o significado literal da palavra “woke”, passado do verbo wake, que significa “acordar, despertar”.

Recentemente, no entanto, o termo ganhou significados bem mais amplos. Na gíria norte-americana, ser ou estar “woke” pode indicar com quais posturas políticas você se mais se identifica.

Neste ano, antes das eleições dos EUA em novembro, “woke” e alguns outros termos têm tido uma forte presença no debate online e, de acordo com especialistas, podem influenciar significativamente os eleitores.

O uso do termo “woke” surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria dizer “estar alerta para a injustiça racial”.

“Muitas pessoas acreditam que quem o cunhou foi (o romancista) William Melvin Kelley (1937-2017)”, afirma Elijah Watson, editor de notícias e cultura do website de música norte-americana Okayplayer e autor de uma série de artigos sobre a origem do termo “woke”.

Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal The New York Times com o título If You’re Woke, You Dig it (“Se você estiver acordado, entenderá”, em tradução livre), segundo Watson.

O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes. Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo.

Até que, em 2017, o dicionário inglês Oxford acrescentou este novo significado de woke, definido como: “estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo”.

Parece algo positivo, certo? Mas isso depende da pessoa a quem se faz essa pergunta.

Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke, ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.

O próprio dicionário Oxford faz esta distinção. Após a definição, ele acrescenta: “esta palavra é frequentemente empregada com desaprovação por pessoas que pensam que outros se incomodam muito facilmente com estes assuntos, ou falam demais sobre eles, sem promover nenhuma mudança”.

Segundo o dicionário americano Merriam-Webster, o termo é usado com desaprovação para referir-se a alguém politicamente liberal (em temas como justiça racial e social), especialmente de forma considerada insensata ou extremista.

Ou seja, para algumas pessoas, ser “woke” é ter consciência social e racial, questionando paradigmas e normas opressores historicamente impostos pela sociedade. Já para outros, o termo descreve hipócritas que acreditam que são moralmente superiores e querem impor suas ideias progressistas sobre os demais.

Os críticos da cultura “woke” questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser “policiais da linguagem” — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginos, homofóbicos ou racistas.

Um método que vem gerando muito mal estar é o “cancelamento”: o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável.

Para as pessoas “woke”, trata-se de uma forma de protesto não violento que permite empoderar grupos historicamente marginalizados da sociedade e corrigir comportamentos, especialmente nos setores mais privilegiados que, até agora, eram parte do status quo e persistiam sem punição, nem mudança.

Mas os críticos afirmam que o cancelamento é a correção política levada ao extremo e que ele atenta contra a liberdade de expressão e “os valores tradicionais norte-americanos”.

Batalha política

O ex-presidente americano Donald Trump é o maior crítico da cultura ‘woke’, que ele associa ao atual mandatário, Joe Biden

O que começou como um choque cultural foi se transformando em um enfrentamento político.

O termo “woke” tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto.

São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal, que inclui políticos americanos como os congressistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.

Por outro lado, a ala mais extrema do Partido Republicano, liderada pelo ex-presidente americano Donald Trump, acredita que essas políticas representam não só uma ameaça aos “valores da família”, mas também à própria democracia, que se pretenderia “substituir por uma tirania woke”.

Em 2020, um dos eixos centrais da campanha para a reeleição de Trump foi combater os chamados woke lefties (“esquerdistas despertos”) que, segundo ele, praticam o “fascismo da extrema esquerda”.

O então presidente afirmou que a “cultura do cancelamento” estava “expulsando as pessoas dos seus trabalhos, envergonhando os dissidentes e exigindo a total submissão de qualquer pessoa que não esteja de acordo”.

“É a própria definição de totalitarismo”, acusou o líder republicano.

Já para os democratas, o autoritário é Trump, algo que, segundo eles, ficou demonstrado quando ele se recusou a deixar o poder após sua derrota eleitoral e seus simpatizantes invadiram o Capitólio.

Longe de equilibrar o debate, os dois primeiros anos do governo Biden aprofundaram a polarização entre os dois setores. Segundo o centro de pesquisas norte-americano Pew Research Center, “hoje, os democratas e os republicanos estão ideologicamente mais afastados do que em qualquer outro momento nos últimos 50 anos”.

E uma pesquisa realizada em setembro pela rede de TV CBS demonstrou que quase a metade dos membros de ambos os partidos considera o outro não como um opositor político, mas como um “inimigo”.

Trump falou sobre a ‘cultura woke’ na última Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês)

Eleições

Antes das eleição presidencial dos EUA de 2024, as diferenças ideológicas ganharam forças às vésperas das eleições legislativas americanas de 2022, conhecidas como eleições de meio de mandato (midterm, em inglês).

Durante a campanha eleitoral, muitos partidários de Trump voltaram a alertar sobre os supostos perigos do chamado “wokeísmo” democrata.

“Você pode perder o seu trabalho. Pode ser rejeitado na arena pública americana nas redes sociais. Pode ser perseguido na rua. Podem atirar coisas em você. Você pode ser agredido fisicamente (como ocorreu ao escritor) Salman Rushdie. Pode ser apunhalado na garganta se eles não concordarem com você”, afirmou recentemente na rede de TV Fox News a comentarista política conservadora Tammy Bruce.

Muitos democratas criticam esse tipo de afirmação, destacando que se trata de retórica alarmista em busca de votos.

“A cada eleição, (os republicanos) inventam um novo bicho-papão, em vez de tentar resolver problemas e melhorar a vida das pessoas”, criticou o democrata Charlie Crist, à rede CBS News.

Ron DeSantis, governador da Flórida, é um dos republicanos que mais ressaltam os supostos perigos da cultura “woke” dos seus rivais. Nos seus discursos, ele costuma repetir que “woke é a nova religião da esquerda”.

Neste contexto, alguns democratas — especialmente os mais moderados — alertaram que o chamado “wokeísmo” está prejudicando seu partido, fornecendo armas para que os republicanos os ataquem.

“O woke é um problema e todos (do Partido Democrata) sabem disso”, afirmou o consultor político democrata James Carville, que liderou a vitoriosa campanha presidencial de Bill Clinton nos anos 1990, ao site Vox.

Para Carville, o problema são algumas das propostas mais extremistas que excluem os setores conservadores da sociedade e são usadas pelos trumpistas para assustar o eleitorado.

Como exemplo, ele mencionou a iniciativa para “retirar o financiamento da polícia” e usar esses fundos para programas de ajuda comunitária. Essa ideia surgiu após o assassinato de George Floyd em 2020 e procura pôr fim ao chamado “racismo sistêmico nas forças de segurança”.

Embora muitos democratas, incluindo o presidente Biden, tenham se manifestado contra essa ideia, alguns a apoiaram, o que fez com que diversos candidatos republicanos associassem todo o partido à proposta, que é impopular entre grande parte da população.

Obama e AOC

A cultura “woke” também gerou críticas internas na liderança do Partido Democrata. E um dos seus detratores mais famosos e ativos é o ex-presidente Barack Obama.

Em 2019, às vésperas da escolha de Joe Biden como o candidato democrata para as eleições presidenciais do ano seguinte, Obama criticou que especialmente os mais jovens estivessem se concentrando em verificar o grau de wokeness de cada pessoa.

Ele se manifestou depois que diversos pré-candidatos democratas foram forçados a pedir desculpas em público por declarações feitas no passado.

“Tenho a sensação de que alguns jovens nas redes sociais acreditam que a forma de gerar mudanças é julgar as outras pessoas o máximo possível”, afirmou o ex-presidente durante um encontro anual da Fundação Obama.

“Se eu posto um tuíte ou publico uma hashtag sobre como você não fez algo direito ou usou o verbo incorreto, posso sentar-me e me sentir muito bem comigo mesmo: ‘Viu como fui woke? Peguei você!'”, afirmou Obama.

“Chega! Se tudo o que você faz é atirar pedras, provavelmente não irá muito longe”, acrescentou ele. “O mundo é desordenado. Existem ambiguidades. As pessoas que fazem coisas muito boas têm defeitos.”

Mas a legisladora mais jovem da Câmara dos Representantes, a carismática democrata Alexandria Ocasio-Cortez, saiu em defesa do “wokeísmo”.

AOC, como é conhecida, destacou que, se o partido se sair mal nas próximas eleições, terá sido porque o Congresso não conseguiu aprovar leis sobre o direito ao voto, uma das causas emblemáticas dos ativistas “woke”.

Os democratas mais jovens, como a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, são os que mais alimentam a chamada cultura ‘woke’

“Woke é um termo que os especialistas vêm usando como eufemismo pejorativo de direitos civis e justiça”, publicou ela na sua conta no X em novembro de 2021.

“Inventar um problema woke tem como resultado colocar em segundo plano os direitos civis e de voto”, alerta AOC. “Em um ano em que os legislativos estaduais estão planejando maiorias republicanas e supressão de eleitores, isso é perigoso.”

‘Capitalismo woke’

Os debates sobre o “wokeísmo” não dominam apenas a agenda política e cultural americana. Eles também ingressaram no mundo empresarial.

Algumas empresas passaram a ser atacadas nos últimos anos ao adotarem mudanças que são interpretadas — para o bem ou para o mal — como “woke”.

Um caso conhecido é o da Gillette, que gerou polêmica em 2019 com uma publicidade chamada “o melhor que os homens podem ser”, criticando comportamentos masculinos tóxicos, como o bullying, o assédio sexual e o sexismo.

O anúncio foi aplaudido por muitos, mas também chegou a tornar-se um dos vídeos mais reprovados do YouTube, provocando um boicote contra a fabricante de lâminas de barbear.

O golpe econômico sofrido pela dona da empresa, a Procter & Gamble, levou à criação de um meme que se popularizou entre a direita: “Get woke, go broke” (“vire woke, vá à falência”).

Nos últimos tempos, a empresa que recebeu mais elogios e críticas por ser considerada woke é a Disney.

A Disney pode perder os direitos autorais sobre o personagem Mickey em 2024, após adotar políticas consideradas ‘woke’ pelos republicanos

Em abril de 2022, o governador DeSantis assinou uma lei para retirar o status legal especial da Walt Disney Company, que retira o status especial da empresa no Estado da Flórida. E legisladores republicanos advertiram que não aprovariam a prorrogação dos direitos autorais da Disney sobre o seu principal personagem, Mickey.

Tudo isso se deu em represália à oposição dos executivos da empresa a uma lei que proíbe aulas sobre sexualidade, orientação sexual e diversidade de gênero nas escolas primárias da Flórida, apelidada pelos críticos de lei “Não Diga Gay”.

Pressionada pelos funcionários que protestaram e deflagraram greve frente ao silêncio inicial da empresa, a Disney publicou um comunicado contrário a essa norma.

“Nossos funcionários veem o poder desta grande empresa como uma oportunidade de fazer o bem. Estou de acordo”, disse, na época, o diretor-executivo (CEO) da Disney, Bob Chapek.

A empresa também foi acusada por alguns setores conservadores de “fazer ativismo woke”, quando escolheu uma atriz negra como protagonista da nova versão do clássico A Pequena Sereia.

No desenho original, a personagem Ariel (baseada no conto de fadas de Hans Christian Andersen) é retratada como uma sereia de pele branca e olhos azuis (Ariel é ruiva nas duas versões).

Por outro lado, a escolha de uma atriz de pele negra foi elogiada por muitas vozes que não só se sentiram representadas, mas também consideram que, como as sereias são personagens mitológicos, elas podem ter qualquer cor de pele.

DeSantis e outros republicanos também criticaram as empresas que priorizam os investimentos com impacto ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês), classificando-as como “capitalismo woke”.

Leia nesta reportagem sobre como termos como “weird”, “woke” e “brat” tem impactado o debate político nos Estados Unidos antes das eleições de novembro.

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Queda de avião em Vinhedo (SP) mata 61 no pior acidente no Brasil em 17 anos

Um bimotor ATR-72 500 da empresa aérea Voepass Linhas Aéreas, que decolou do Aeroporto de Cascavel (PR) com destino ao Aeroporto de Guarulhos (SP) e que tinha a bordo 57 passageiros e quatro tripulantes, caiu em um condomínio residencial de Vinhedo (SP), na tarde de ontem, sem deixar sobreviventes. Vídeos feitos por moradores da região — amplamente compartilhados nas redes sociais — flagraram o momento da queda. O avião perdeu sustentação, despencou na vertical (situação conhecida como estol) e explodiu no jardim de uma residência, provocando uma densa coluna de fumaça negra que podia ser vista a quilômetros de distância.

Equipes do Corpo de Bombeiros e do Samu que atuam em Vinhedo e cidades vizinhas foram imediatamente deslocados para o local do acidente. Quatro horas depois, a Voepass confirmou o que as equipes de resgate haviam constatado: ninguém foi encontrado com vida no local do acidente. No fim da tarde, as caixas pretas da aeronave foram encontradas e serão analisadas pelos técnicos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão ligado ao Ministério da Aeronáutica.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que a aeronave “se encontrava em condição regular para operar, com certificados de matrícula e de aeronavegabilidade válidos”, assim como a documentação dos tripulantes, “todos devidamente licenciados e com as habilitações válidas”, segundo nota oficial do órgão regulador.

O avião prefixo PS-VPB é um bimotor turboélice modelo ATR- 72, fabricado em 2010 pela empresa franco-italiana Avions de Transport Régional, com capacidade de transportar 68 pessoas. A aeronave decolou de Cascavel às 11h46, com previsão de chegar por volta das 13h30 a Guarulhos. Mas, 10 minutos antes da aterrissagem, a torre de controle do terminal paulista perdeu o contato com o aparelho. Segundo o comandante do Cenipa, brigadeiro-do-ar Marcelo Moreno, nenhum problema foi relatado pela tripulação às equipes de controle de tráfego aéreo. O bimotor, simplesmente, sumiu do radar.

Sites especializados em navegação aérea, que monitoram voos pelo mundo todo, registraram que o ATR-72 voava a 17 mil pés de altitude (5 mil metros) às 13h20. Em dois minutos, a altitude caiu para 4 mil pés (1,2km), quando o sinal do GPS foi perdido. No fim da tarde, a Voepass divulgou a lista dos nomes das vítimas do acidente.

Em nota, a empresa lamentou a tragédia e declarou que acionou “todos os meios para apoiar os envolvidos”. Disponibilizou, ainda, o telefone 0800-9419712 para prestar informações “a todos os seus passageiros, familiares e colaboradores”. Nos terminais de Guarulhos e de Cascavel foram montados gabinetes de crise com a presença de órgãos federais, estaduais e municipais para atender às famílias das vítimas — incluindo psicólogos e assistentes sociais.

Mas nem todas as pessoas que compraram passagem para o voo 2283 embarcaram. Um empresário que faria conexão em Guarulhos para passar o Dia do Pais em Vitória com a filha chegou dois minutos atrasado ao terminal. Outro se confundiu e estava aguardando um voo de uma companhia diferente. Quando se deu conta do erro, chegou a discutir com um atendente para que pudesse embarcar no avião da Voepass, mas a aeronave estava com as portas fechadas.

Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), estavam em Pedra Azul, na Região Serrana do Espírito Santo, participando da reunião de governadores do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud). Quando souberam da tragédia, deixaram o encontro e anteciparam o retorno aos respectivos estados para acompanhar o trabalho de atendimento às famílias das vítimas. A reunião do Consud foi encerrada antecipadamente pelo anfitrião, o governador capixaba Renato Casagrande (PSB), como gesto de solidariedade.

O Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo enviou a Vinhedo cinco rabecões para remoção dos corpos. O porta-voz da Polícia Militar paulista, coronel Emerson Massera, disse que será um trabalho complexo pela quantidade de vítimas. A Polícia Federal (PF) também foi acionada para iniciar a investigação criminal e montou um gabinete de crise dentro do condomínio residencial Recanto Florido, onde o avião caiu — a residência foi cedida por um morador.

As causas do acidente começaram a ser apuradas por técnicos do Cenipa, que estão em Vinhedo. As duas caixas-pretas do avião foram enviadas para a sede do órgão, em Brasília. Uma traz informações sobre dados dos sistemas de navegação do aparelho. A outra, gravações das conversas de cabine entre piloto, copiloto e agentes de controle de tráfego aéreo. Esses dados são considerados fundamentais para a apuração.

Para o comandante do Cenipa, não é possível confirmar se condições meteorológicas adversas, como formação de gelo, contribuíram para a queda da aeronave. Ele ressaltou que esse tipo de informação é sempre considerado antes de cada voo e que o avião estava certificado para operar.

A Voepass é a quarta maior companhia aérea brasileira. Tem sede em Ribeirão Preto (SP) e atua em 40 cidades, segundo informações de seu site. Ainda de acordo com a empresa, opera 60 voos diários e transporta 70 mil passageiros por mês.

Em junho, detinha 0,5% do mercado brasileiro de transporte aéreo, ficando atrás da Latam (39,6%), Azul (31%) e Gol (28,8%). No fim de 2023, a Voepass contava com 859 funcionários, sendo 131 pilotos e tripulantes. O inventário de aeronaves dá conta de 10 aviões fabricados pela ATR.

Em número de voos domésticos, a Voepass havia sido, em 2023, a empresa a registrar o maior crescimento, com 22%. Em 2019 (último dado disponibilizado pela Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac), a companhia teve prejuízo de R$ 27 milhões. No mesmo ano, o caixa estava negativo em R$ 30 milhões.

*Estagiários sob a supervisão de Vinicius Doria e Fabio Grecchi

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Queda de avião em Vinhedo (SP) mata 61 no pior acidente no Brasil em 17 anos

Um bimotor ATR-72 500 da empresa aérea Voepass Linhas Aéreas, que decolou do Aeroporto de Cascavel (PR) com destino ao Aeroporto de Guarulhos (SP) e que tinha a bordo 57 passageiros e quatro tripulantes, caiu em um condomínio residencial de Vinhedo (SP), na tarde de ontem, sem deixar sobreviventes. Vídeos feitos por moradores da região — amplamente compartilhados nas redes sociais — flagraram o momento da queda. O avião perdeu sustentação, despencou na vertical (situação conhecida como estol) e explodiu no jardim de uma residência, provocando uma densa coluna de fumaça negra que podia ser vista a quilômetros de distância.

Equipes do Corpo de Bombeiros e do Samu que atuam em Vinhedo e cidades vizinhas foram imediatamente deslocados para o local do acidente. Quatro horas depois, a Voepass confirmou o que as equipes de resgate haviam constatado: ninguém foi encontrado com vida no local do acidente. No fim da tarde, as caixas pretas da aeronave foram encontradas e serão analisadas pelos técnicos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão ligado ao Ministério da Aeronáutica.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que a aeronave “se encontrava em condição regular para operar, com certificados de matrícula e de aeronavegabilidade válidos”, assim como a documentação dos tripulantes, “todos devidamente licenciados e com as habilitações válidas”, segundo nota oficial do órgão regulador.

O avião prefixo PS-VPB é um bimotor turboélice modelo ATR- 72, fabricado em 2010 pela empresa franco-italiana Avions de Transport Régional, com capacidade de transportar 68 pessoas. A aeronave decolou de Cascavel às 11h46, com previsão de chegar por volta das 13h30 a Guarulhos. Mas, 10 minutos antes da aterrissagem, a torre de controle do terminal paulista perdeu o contato com o aparelho. Segundo o comandante do Cenipa, brigadeiro-do-ar Marcelo Moreno, nenhum problema foi relatado pela tripulação às equipes de controle de tráfego aéreo. O bimotor, simplesmente, sumiu do radar.

Sites especializados em navegação aérea, que monitoram voos pelo mundo todo, registraram que o ATR-72 voava a 17 mil pés de altitude (5 mil metros) às 13h20. Em dois minutos, a altitude caiu para 4 mil pés (1,2km), quando o sinal do GPS foi perdido. No fim da tarde, a Voepass divulgou a lista dos nomes das vítimas do acidente.

Em nota, a empresa lamentou a tragédia e declarou que acionou “todos os meios para apoiar os envolvidos”. Disponibilizou, ainda, o telefone 0800-9419712 para prestar informações “a todos os seus passageiros, familiares e colaboradores”. Nos terminais de Guarulhos e de Cascavel foram montados gabinetes de crise com a presença de órgãos federais, estaduais e municipais para atender às famílias das vítimas — incluindo psicólogos e assistentes sociais.

Mas nem todas as pessoas que compraram passagem para o voo 2283 embarcaram. Um empresário que faria conexão em Guarulhos para passar o Dia do Pais em Vitória com a filha chegou dois minutos atrasado ao terminal. Outro se confundiu e estava aguardando um voo de uma companhia diferente. Quando se deu conta do erro, chegou a discutir com um atendente para que pudesse embarcar no avião da Voepass, mas a aeronave estava com as portas fechadas.

Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), estavam em Pedra Azul, na Região Serrana do Espírito Santo, participando da reunião de governadores do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud). Quando souberam da tragédia, deixaram o encontro e anteciparam o retorno aos respectivos estados para acompanhar o trabalho de atendimento às famílias das vítimas. A reunião do Consud foi encerrada antecipadamente pelo anfitrião, o governador capixaba Renato Casagrande (PSB), como gesto de solidariedade.

O Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo enviou a Vinhedo cinco rabecões para remoção dos corpos. O porta-voz da Polícia Militar paulista, coronel Emerson Massera, disse que será um trabalho complexo pela quantidade de vítimas. A Polícia Federal (PF) também foi acionada para iniciar a investigação criminal e montou um gabinete de crise dentro do condomínio residencial Recanto Florido, onde o avião caiu — a residência foi cedida por um morador.

As causas do acidente começaram a ser apuradas por técnicos do Cenipa, que estão em Vinhedo. As duas caixas-pretas do avião foram enviadas para a sede do órgão, em Brasília. Uma traz informações sobre dados dos sistemas de navegação do aparelho. A outra, gravações das conversas de cabine entre piloto, copiloto e agentes de controle de tráfego aéreo. Esses dados são considerados fundamentais para a apuração.

Para o comandante do Cenipa, não é possível confirmar se condições meteorológicas adversas, como formação de gelo, contribuíram para a queda da aeronave. Ele ressaltou que esse tipo de informação é sempre considerado antes de cada voo e que o avião estava certificado para operar.

A Voepass é a quarta maior companhia aérea brasileira. Tem sede em Ribeirão Preto (SP) e atua em 40 cidades, segundo informações de seu site. Ainda de acordo com a empresa, opera 60 voos diários e transporta 70 mil passageiros por mês.

Em junho, detinha 0,5% do mercado brasileiro de transporte aéreo, ficando atrás da Latam (39,6%), Azul (31%) e Gol (28,8%). No fim de 2023, a Voepass contava com 859 funcionários, sendo 131 pilotos e tripulantes. O inventário de aeronaves dá conta de 10 aviões fabricados pela ATR.

Em número de voos domésticos, a Voepass havia sido, em 2023, a empresa a registrar o maior crescimento, com 22%. Em 2019 (último dado disponibilizado pela Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac), a companhia teve prejuízo de R$ 27 milhões. No mesmo ano, o caixa estava negativo em R$ 30 milhões.

*Estagiários sob a supervisão de Vinicius Doria e Fabio Grecchi

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A explicação da Petrobras para o prejuízo e a distribuição de dividendos de um resultado negativo

O diretor financeiro da Petrobras, Fernando Melgarejo, tentou explicar o prejuízo de R$ 2,6 bilhões da empresa no segundo trimestre, mas seus argumentos não atenuam o efeito político muito ruim desse resultado. Afinal é o primeiro prejuízo depois do terceiro trimestre de 2020 quando o país e o mundo viviam o impacto da pandemia da Covid-19.

Mas vamos aos argumentos de Melgarejo.

Primeiro ele disse que o resultado não seria tão ruim porque há indicadores bons, como o Ebitda – ou seja, o resultado operacional da empresa – que está em linha com o primeiro trimestre. O fluxo de caixa operacional recorrente seria, inclusive, está ligeiramente superior ao do período passado, informou o diretor. E acrescentou que dívida é menor do que US$ 65 bilhões e que vai ter a distribuição de dividendos ordinário.

Eu quis saber como a empresa vai distribuir dividendos se teve prejuízo no trimestre. E ele respondeu o seguinte:

— É porque aqui na Petrobras, o dividendo é calculado em cima do fluxo de caixa livre, que é o fluxo operacional menos os investimentos realizados no período. Em cima disso, a gente atribui um percentual de 45%. Desses 45%, a gente tem o lucro a ser distribuído e ele, de fato, não conversa diretamente com o resultado. No passado, a gente criou uma reserva de remuneração de capital para pagar essa diferença. E temos, como eu te falei, o resultado acumulado dos sinais positivos.

Melgarejo está explicando o resultado negativo como efeito de dois fatores. O primeiro é o acordo com o Carf, que envolvia uma disputa de R$ 45 bilhões. Quer dizer, a Receita estava cobrando essa dívida. O acordo foi fechado por menos da metade do valor, R$ 19,8 bilhões, uma parte disso será pago com créditos tributários, e ao todo serão seis parcelas mensais. Segundo o diretor financeiro, esse acordo teve um impacto no lucro líquido de US$ 2,1 bilhões e no caixa, de US$ 700 milhões. O segundo fator é o dólar, o real se desvalorizou 11,2% frente a moeda americana no segundo trimestre. A Petrobras destacou perdas financeiras de R$ 36,4 bilhões por conta da variação cambial.

Na conversa, o diretor fez um cálculo que não faz muito sentido e que é assim: se não fossem esses dois fatores, o acordo e a desvalorização cambial, o resultado seria positivo. Então eu perguntei por que não ocorreu à empresa aumentar o preço dos combustíveis, dado que o dólar estava mais alto?

Fernando Melgarejo respondeu o seguinte: “A gente fez um ajuste, foi dia 15 de julho, usando uma metodologia que nós usamos aqui. Seguimos integralmente aqui a governança disso”. O aumento foi de 7,1% da gasolina e 9,8% do gás de cozinha.

Qual é o problema? Hoje já não se conhece essa metodologia de reajuste de preços da companhia. Perdeu-se transparência depois que acabou a política de paridade com o preço internacional. O governo Lula prometeu “abrasileirar” os preços. E nesse teste a política foi reprovada.

Não se pode atribuir tudo à nova administração que acabou de chegar. Mas o fato é que a maior empresa do país, a maior estatal, que ficou no meio de disputas políticas internas no governo, e que foi alvo de interferência, acabou dando prejuízo no trimestre. E isso lembra muito outros prejuízos no passado da gestão petista.

O mercado fica satisfeito porque haverá distribuição de dividendos, mas o fato é que ninguém esperava um resultado tão ruim. Em geral, nas conversas que Ana Carolina Diniz, aqui do blog, teve com especialistas antes da divulgação, a expectativa era de queda do lucro, mas não de prejuízo.

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‘O mais importante para o cliente é saber se tem o produto que ele quer e vaga para estacionar’, diz CEO do Assaí

Em fevereiro do ano que vem, um cruzeiro com até 5 mil clientes, funcionários e fornecedores do Assaí vai de Santos, no litoral de São Paulo, até Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Será uma das comemorações dos 50 anos da rede de atacarejo, que intensificou o processo de expansão nacional abrindo mais de cem unidades desde 2021. A meta é chegar em 300, diz Belmiro Gomes, CEO do Assaí, em entrevista ao GLOBO, mas o plano vai desacelerar neste ano para moderar o endividamento da empresa.

Serão 30 novas lojas até fim de 2025. Além de uma campanha para marcar aniversário redondo, rede de hipermercados também investe na modernização de lojas para atrair consumidores de alta renda. Atualmente, seu modelo de atacarejo atrai principalmente consumidores das classes C, D e E em busca de preços mais baixos. Segundo Gomes, a retomada do nível de consumo dos clientes ao patamar pré-pandemia ainda não se completou.

Como será a campanha que marca os 50 anos do Assaí?

Nascemos na Zona Leste de São Paulo, com uma pequena loja, e hoje somos uma das maiores redes do Brasil, com mais de 82 mil colaboradores, temos lojas gigantescas. A campanha que vamos fazer é a maior da nossa história, com R$ 20 milhões em prêmios, o aluguel de um navio para levar colaboradores e clientes. Desde o início do ano nós já temos passado uma nova mensagem também, com o slogan “Para Todos, de Sol a Sol”.

Ainda temos uma nova identidade visual, com logo e marca. Na campanha, buscamos artistas das cinco regiões do país. Nós temos esse cuidado de não fazer parecer que o Assaí é uma empresa de São Paulo.

Faz um ano que o grupo Casino deixou de vez a participação no Assaí. O que mudou?

Tem algumas mudanças com a dinâmica, quando você não tem um acionista controlador. Mas, na minha visão, a companhia seguiu de forma consistente. Operacionalmente, o impacto foi praticamente nulo. Do ponto de vista comercial, operacional e administrativo, já era uma companhia totalmente independente. O que se fazia era uma consolidação de resultados. Mas o nível de interferência era baixo.

O modelo de atacarejo pode ser melhorado?

Nosso modelo sempre teve a vantagem de oferecer preço baixo. Mas o calcanhar de aquiles era uma experiência de compra às vezes muito ruim, com lojas espartanas. Unidades novas do Assaí, como a de Anhanguera, em São Paulo, são diferentes. Não tem como sair reformando todo o parque de uma vez, mas, nas novas unidades, principalmente dos últimos três anos, desde que compramos a rede (de lojas) do Extra, incluímos açougue, padaria, serviço de cafeteria. Foi feita também uma ampliação na quantidade de marcas ofertadas.

A busca é reequilibrar a oferta entre preço baixo e experiência. Muito do ganho de escala que tivemos nos últimos anos, com diminuição de custo e sinergia, foi investido na experiência de compra. Isso para que o modelo do Assaí não ficasse restrito ao público das classes C, D e E, que era o foco inicial. Essa evolução vem acontecendo de forma muito forte nos últimos anos e deve seguir para frente.

Como estão fazendo esse reequilíbrio?

Muito do ganho de escala que tivemos nos últimos anos, com diminuição de custo e sinergia, foram investidos na experiência de compra. Se a gente olhar em uma linha do tempo mais longa, o percentual de despesas de vendas, gerais e administrativas que nós trabalhávamos em 2011 é o mesmo que nós temos até hoje, em uma companhia muito maior.

E boa parte do ganho de escala foi reinvestido em experiência de compra. Isso para que o modelo do Assaí não ficasse restrito ao público das classes C, D e E, que era o foco inicial. Essa evolução vem acontecendo de forma muito forte nos últimos anos e ainda deve seguir para frente.

O objetivo é que todas as lojas tenham o padrão das novas unidades?

Todas. Em São Paulo, reformamos as lojas da Casa Verde, em São Bernardo. Vamos fazer a revitalização na Barra Funda. Imóveis mais antigos, por mais que você invista e faça a revitalização, nunca são iguais ao que você construiu, mas em termos de experiência de compra fica muito próximo.

Como atrair as classes A e B?

Quando você estratifica a participação por classes sociais na nossa base de clientes ela é muito similar ao que se tem na população brasileira. Ter a expertise de operar para todas as classes sociais é uma vantagem, dado que isso não nos limita do ponto de vista de expansão. Nós temos lojas preparadas para atender a baixa renda e lojas preparadas para atender a alta renda.

Há lojas com 400 rótulos de vinho de oferta. Ou seja, conseguimos atender a um público de outras classes sociais. Isso dá uma diversidade que nos permite, tanto do ponto de vista de expansão nacional, como do ponto de vista de região, olhar o Brasil como um todo sem muita restrição

Há rivais ganhando espaço no atacarejo. Como se diferenciar?

Essa entrada para atender a população de maior renda, em grandes centros, foi um movimento, por exemplo. E por mais que você tenha duas companhias trabalhando na mesma área, cada uma tem a sua cultura. O mercado é altamente competitivo. O fato de estarmos em uma posição de destaque hoje não nos dá tranquilidade. Precisamos continuar levantando mais cedo, correndo mais e batalhando com os demais competidores, que é o que move.

O ritmo de expansão das lojas vai diminuir?

Sim, vai ser um ritmo menor até porque precisamos depurar muito dessa expansão. Em 36 meses, foram quase 120 lojas de inauguração. A aquisição do Extra foi feita principalmente para entrar em pontos comerciais na grande São Paulo e em outras capitais que, do ponto de vista imobiliário, seria muito difícil. Então o modelo foi adaptado e evoluído para atender a um público de maior renda dessas regiões.

Passado esse período, a companhia acumulou uma alavancagem importante, e os juros não se comportaram como esperado. Isso fez com que passássemos a carregar um custo de carregamento de dívida elevado. Agora estamos segurando investimento. Reduzimos a expansão para 15 lojas. Ainda vamos definir o que será para 2025, mas deve ficar em patamares próximos de 2024.

O nível de endividamento preocupa?

A companhia sempre foi uma grande geradora de caixa. Tanto que no período do GPA nós nunca recebemos qualquer real de investimento, nem do GPA nem do Casino. Quando eu cheguei no Assaí foi feito todo esse movimento de expansão com captação de recursos no mercado financeiro ou por geração de caixa próprio. À medida que a gente entra com o objetivo de desalavancagem, há uma questão do custo da dívida.

O custo da dívida tem a ver com o montante, quantas vezes o Ebitda (indicador contábil de geração de caixa) comprometido, mas principalmente quanto do Ebitda eu destino para pagar esse custo. Se os juros estiverem em 4%, você pode suportar uma alavancagem de duas, três vezes o nível de Ebtida. Com os juros no patamar atual, requer cautela e por isso vamos dar uma segurada agora no nível de investimento.

Vê perspectiva de melhora no cenário econômico?

Ainda vejo com muita cautela. Temos fatores externos, como os juros nos EUA, que têm elevado a pressão. A grande preocupação é até onde vai a taxa de câmbio. Se o dólar permanecer muito elevado pode levar a um repique inflacionário no Brasil. E, obviamente, sigo torcendo pela queda de juros. Enquanto os juros seguem altos, não há espaço para um cenário tão otimista como nós tínhamos no final do ano passado.

O que mudou no perfil de consumo das classes C e D desde o início do Assaí?

Indiscutivelmente há uma melhora da renda da população, ainda que a renda seja muito curta e com dificuldades. O que nós fizemos, do ponto de vista da adaptação, é que inicialmente o setor era muito voltado para preços baixos. Agora há um foco em preço baixo mas também em garantir uma experiência de compra e uma amplitude de marcas que permitam uma escolha para o consumidor.

No período pós-pandemia com inflação e juros altos, o atacarejo acabou sendo uma opção para quem buscava preço mais baixo. Como está o comportamento agora?

Houve um trade down (quando consumidor passa a optar por opções mais baratas do que normalmente compraria) que estimamos ter sido de cerca de 12% no período da pandemia para cá. Também houve um movimento feito pela indústria de redução dos tamanhos de embalagens. A combinação de juros altos e própria inflação tem feito com que a população ainda não tenha conseguido retomar seus hábitos de compra.

Esse trade down de 12% ainda não teve retorno. A gente também tem visto também, e eu fui um dos primeiros a trazer isso, a questão dos jogos eletrônicos, das bets, do jogo do Tigrinho que estão fazendo um estrago muito grande na população de baixa renda. É inacreditável.

Como vocês calculam esse ‘estrago’?

Temos uma série de pesquisas de monitoramento do destino de renda. Uma delas perguntou justamente o que impedia as pessoas de voltarem aos níveis de consumo anteriores ao da pandemia, e aí apareciam juros altos, cartão de crédito e um pedaço da renda indo primeiro para as bets e depois para o famigerado jogo do Tigrinho. Tem gerado uma série de impactos, principalmente na população de baixa renda.

Quando deve haver uma retomada do consumo aos níveis pré-pandemia?

Não esperamos uma retomada tão expressiva. Parte desses 12% de trade down, por exemplo, já foi incorporada como uma mudança de hábito. E enquanto os juros seguirem elevados, com a população endividada, a gente vê uma parcela que não tem espaço para uma grande retomada de consumo. Nossa expectativa é ter um segundo semestre mais positivo do que o primeiro, mas nenhuma grande explosão em termos de mercado.

Uma parcela importante dos clientes de vocês é de pequenos e médios comerciantes. O comportamento de compra anterior ao da pandemia também não voltou?

Muitas empresas desse segmento não sobreviveram à pandemia. Já houve uma retomada, mas o que a gente vê é que esse é um cliente que está mais racional e está pressionado com os juros altos, o que obriga ele a trabalhar cada vez mais com estoque curto.

O que vislumbra para o modelo atacarejo no longo prazo? Tem como ser mais digital?

A gente deve ter cada vez mais uma combinação entre o mundo físico e o mundo digital, indiscutivelmente. Mas ainda há um desafio logístico muito grande do ponto de vista de entrega de produto alimentar, que é baixo valor agregado. Acho que a grande mudança deve vir nos canais da marca. No caso do Assaí, vamos seguir incluindo novos produtos nas lojas. Devemos avançar ainda mais em outros estados do Brasil também.

Ainda não temos operação em dois estados do Sul (SC e RS). Quando fazemos pesquisas, o que vemos é que o mais importante para o cliente é saber se o produto que ele quer tem numa loja ou se há vaga para estacionar. O e-commerce não aparece como prioridade. É claro que há grandes vantagens no e-commerce, mas no setor alimentar ainda são muitos os desafios. Já temos um aplicativo e parceria com Cornershop e Rappi para entregas. E ainda vamos evoluir em funcionalidades conectadas com o ponto físico.

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Vício em jogos on-line, como o ‘tigrinho’, endivida brasileiros

Os jogos de aposta on-line, como o famoso “tigrinho”, viraram tormento na vida dos brasileiros que acreditaram nas propagandas das redes sociais prometendo ganhos em dinheiro. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revelou que o game se tornou uma das maiores causas de endividamento no país, com 63% dos apostadores afirmando que chegaram a comprometer até o orçamento doméstico.

O levantamento mostrou que os entrevistados mudaram os hábitos de consumo para apostar on-line: 23% dos entrevistados abriram mão de comprar roupas, 19% deixaram de fazer compras em supermercados, 14% produtos de higiene e beleza, 11% cuidados com saúde medicações.

Um relatório do Banco Santander, publicado em junho, revela também que a participação do varejo nos gastos das famílias caiu de 63%, em 2021, para 57% em 2023. Ao mesmo tempo, as bets (aposta em um jogo de azar) passaram de 0,8% da renda familiar em 2018 para um índice de 1,9% a 2,7% no ano passado.

Segundo a pesquisa da Comscore — uma empresa dos Estados Unidos de análise da internet —, desde 2019, houve um crescimento de 281% no tempo de consumo dos jogos no Brasil. As apostas têm experimentado um crescimento igualmente rápido: em 2022, o país ficou em 10º lugar globalmente com US$ 1,5 bilhão em receitas brutas de games, de acordo com dados da Entain, uma das maiores empresas de apostas esportivas on-line do Reino Unido.

O levantamento apontou que mais da metade dos apostadores fazem apostas ao menos uma vez por semana. O psicoterapeuta Alberto Dell’Isola apontou que a frequência nos jogos pode representar dependência. “Todos esses jogos podem levar ao vício. No entanto, existem elementos nos bets que podem tornar os cassinos e apostas on-line ainda mais viciantes que as loterias”, disse.

O especialista destacou a acessibilidade como fator preocupante. “Quanto mais acessível, mais viciante. Consideremos agora as máquinas de caça-níqueis e as apostas de caça-níqueis on-line. Ainda que as duas modalidades de aposta possam ter o mesmo tempo decorrido entre a aposta e o resultado, as apostas na internet são muito mais viciantes do que as máquinas de caça-níqueis: a pessoa pode apostar 24h, 7 dias por semana”, ressaltou.

O economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), apontou os fatores que podem estar levando os consumidores brasileiros a recorrerem aos jogos de azar e, consequentemente, ficarem cada vez mais endividados. “Embora a regulamentação possa trazer benefícios econômicos, como aumento da arrecadação de impostos, também pode resultar em maior exposição e, consequentemente, mais casos de vício em jogos de azar”, explicou.

Nogami Citou como possíveis causas a crise econômica e desemprego; a falta de educação financeira; a acessibilidade e a popularidade dos jogos de azar; a influência psicológica e o vício; as pressões sociais e culturais; além das promoções e publicidade enganosa; e da regulação e legalização dos games.

Segundo o economista, o endividamento resultante dos jogos de azar pode ter graves consequências financeiras e sociais. “As dívidas podem levar à inadimplência, perda de bens, problemas de relacionamento e saúde mental, como ansiedade e depressão. É crucial que medidas de educação financeira e suporte psicológico sejam disponibilizadas para ajudar aqueles afetados pelo vício em jogos de azar”, disse.

O estudante de TI (tecnologia da informação) Fabricio de Souza*, 20 anos, começou a jogar na adolescência. “Comecei na aposta esportiva, porque sempre gostei muito de futebol e de acompanhar basquete. Então, apostar nesses jogos dava emoção”, contou.

No entanto, ao completar 18 anos, ele se interessou por apostas em cassinos, os chamados slots. “Conheci o cassino on-line por meio de um primo. Ele disse que estava ganhando dinheiro e perguntou se eu queria tentar. Coloquei R$ 20 e não ganhei nada. Foi assim que começou”, relatou o jovem.

Fabrício afirmou que quando perdia, pedia dinheiro emprestado aos amigos, mas, que depois de um tempo, começou a pedir dinheiro para o banco também. “Cheguei a pegar 2 mil reais para recuperar o que tinha perdido e não consegui”, lamentou. Ele contou que parou de apostar no começo do ano e que, atualmente, não sente mais vontade de jogar.

* Estagiário sob supervisão de Luana Patriolino

* Nome fictício a pedido do entrevistado

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